"Não sabem uns dos outros e ainda guardam a doença como um segredo. Eram 137, hoje são 37. Seis são mulheres infectadas pelos maridos.
“Falecimento: A Associação Portuguesa de Hemofílicos (APH) regista e lamenta uma vez mais a perda de duas pessoas muito especiais.” O anúncio não é inabitual no boletim trimestral da APH e João (nome fictício), 55 anos, nunca sabe se foi mais um caso como o seu - o de um hemofílico contaminado com VIH, entre 1985 e 1987, numa das ocasiões em que recebeu um derivado sanguíneo (factor VIII) num hospital público.(...)A conta de subtracção dos que foram morrendo não vem com nomes e a contabilidade só é tornada pública de vez em quando, muitas vezes quando Maria de Lourdes Fonseca, vice-presidente da APH, é contactada por órgãos de comunicação social. A hemofilia é uma doença hereditária transmitida pela mãe portadora para filhos rapazes que se traduz pela falta de derivados responsáveis pela coagulação do sangue, o que está na origem de hemorragias internas.Foram 137 os hemofílicos contaminados com o vírus VIH: em 1994 tinham morrido 23, em 2005 metade, hoje sobrevivem apenas 37. (....) A vice-presidente da APH conhece--lhes as histórias: dois irmãos, de dez e 11 anos, e outros dois irmãos que apenas foram fazer uma vez tratamento e ficaram infectados já morreram. E há mortes com outras causas. João sabe de uma que não o abandona, o de um infectado que se suicidou, e imagina que deve ter havido mais - basta pensar no seu próprio isolamento, na sua revolta. Ainda lhe chegou a dizer, quando o via com maus pensamentos: “Não sejas parvo, enquanto cá andas vês os passarinhos.”’Se fosse possível dissecar uma a uma as causas da sua angústia, escolheria a culpa de ter passado o vírus à mulher, “sem saber”. (...) Depois veio a confirmação da mulher e o medo de que o filho também tivesse sido contaminado durante a gravidez. Dos 37 sobreviventes, seis são mulheres infectadas pelos maridos."
Catarina Gomes/Público - 01.02.2009
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