segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Políticos de plástico

Estou um bocado farta do Obama.
É certo que o homem tem presença mediática e um conjunto de acessores inspirados que lhe escrevem bons discursos. O ar ligeiramente dandy também ajuda a ter um certo êxito com as mulheres. Não é por acaso que a sua esposa se desdobrou em comentários sobre a sua performance sexual, o que, aliado ao seu pecadilho de fumador viciado em tabaco e snifador de coca (sendo que o segundo, na óptica americana, é um pecadilho adolescente comparado com o primeiro), faz dele uma personagem vagamente atraente.
A política pastiche, plastificada, sem um debate sério ou substrato, á velha maneira americana.
Obama, embora se afirme negro ou afro-americano e faça disso a sua bandeira, o que lhe valeu os milhões da Oprah, considerada uma das mulheres mais influente$ do planeta, não passa de um mulatinho vaidoso, bastante pálido até, com traços caucasianos e um pedigree de menino bem.
Fosse a pele dele gloriosamente negra, daquele negro azulado e inconfundível de algumas tribos africanas e nunca Obama seria sequer candidato, quando mais presidenciável.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Montanhas

O desafio da semana foi escalar algumas montanhas, em vez de ficar pela mansidão das planícies.
ontem pareceu-me que a montanha era concluir em definitivo uma base de dados.
hoje ao acordar pensei que seria suficiente para a escalada umas horas de trabalho intenso no hospital.
mas a escalada final estava guardada para o fim do dia.
estar com um colega que espera um diagnóstico de TAC.
uma espécie de sentença.
simplesmente estar, porque nada mais podemos fazer.
lembrei-me muito do lobo antunes quando fala na morte.
essa puta.
"É este o nosso tempo: em que o bom, o belo, o são (....), não é já andar na verdade de si mesmo, na sua integridade, a todo o custo e a todo o risco; mas anular-se, deixar-se vigiar e controlar, sob pena de deixar de ser.
A linha é invisível: e quando sentimos a sua pressão sobre os nossos dias, já avançou um pouco mais. Para dentro de nós."

Pedro SEna-Lino

Mas é possível neste nosso tempo, ter lugares de esperança?

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Toda a luz da noite

cabia na concha da mão.

Luminiscência rosada

colada à pele de um búzio.

A mulher penteia

a última melena rebelde

que sobreviveu ao descalabro do corpo.

O pente desliza

pela respiração ruidosa

o corpo nu, afogado em secreções

domingo, fevereiro 10, 2008

Coisas de comadres

Eu não conheço a Dra Maria João Marques a não ser de textos esparsos na blogosfera. Escrever no atlântico não é propriamente uma recomendação que se utilize com orgulho, sobretudo se a escrita é pretensamente feminina. Como diria a Ana, uma revista fiel aos valores tradicionais onde os homens tratam dos assuntos sérios. Política e coisas assim e as mulheres, duas ou três que por lá andam, escrevem umas coisitas sobre a vida mundana.
Ou seja, conheço apenas a Dra Maria João Marques de ler en passant umas coisitas da vida mundana e assim, com erros ortográficos e tudo, disfarçadas de análise política.
Posto isto, face ao vazio de ideias da tal Dra Maria João, não me deveria surpreender o ódiozinho de estimação pela jornalista Fernanda Câncio , nem sequer o pequeno e discreto vómito na referência ao novo Ministro da Cultura.
Mas isto é tão infantil, tão básico ou tão simplesmente canalha que pode ser um novo case study.

sábado, fevereiro 09, 2008

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um TERRAÇO

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

Fernando Pessoa


Todas as mulheres vão para o céu.
È o meu lema depois de me meterem enfiado uma agulha na mama esquerda, sem anestesia, para aspiração e biópsia de um nódulo suspeito.
Todas as mulheres vão para o céu.
Mesmo as mais putas, as mais desbragadas, as mais maledicentes, esquivas ou as mais pérfidas, todas, só pelo facto de terem um útero, de viverem as leis da biologia, de parirem em dor e sofrerem na carne o preço da criação, todas as mulheres só podem ter um paraíso de fulgores à sua espera.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Bon petit

Bonpetit

Foi assim que a vida de rodrigo conheceu a sua maior revelação. Foi precisamente nesse dia.
Bonpetit levou-o ao colo até à última escada do avião, entre malas e bagagens, onde o entregou ao colo da mãe.
Na altura rodrigo não percebeu muito bem porque é que Bonpetit não entrava e se sentava ao seu lado, como fazia todos os dias, desde que se lembrava de existir. Sentiu-o hesitar com um tremor, uma ligeira crispação do corpo, antes de o entregar, como se fosse mais uma bagagem ou um objecto frágil que se pensa duas vezes antes de pôr nas nãos de outro alguém.
Não percebeu muito bem as palavras com que Bonpetit enrolava uma última saudação (ou seria bênção de despedida?) em lingala e aquele sussurro acompanhou-o durante todo o voo. Bonpetit era sentinela- chamavam-lhe assim porque a tarefa era guardar a casa ou as lojas ou os meninos, consoante a disposição do patrão, e ali ficava horas, às vezes durante a noite, catana ao lado, a fumar, à espera que nada acontecesse. Rodrigo lembrava-se sempre das suas gargalhadas ruidosas, que enchiam a tarde, um riso a cair em cascata do alto do seu metro e noventa – e os miúdos a apanhá-lo cá em baixo, como contas de vidro - porque Bon-Petit era um gigante negro, enorme, com dois traços verticais tatuados na cara, a alcunha jocosa provinha precisamente daí, ou talvez fosse porque os brancos lhe confiavam a guarda dos filhos, já que ele era bom para as crianças, paciente, aturava-lhes as birras e as manias de meninos mimados, fiel como um cão, dizia o patrão.
- Não me lembro de mais nada dessa longa viagem para Portugal – disse Rodrigo. Nada, a não ser o olhar de Bonpetit, as palavras confusas da sua bênção de despedida - era uma bênção, sei-o hoje – e de adormecer sossegado ao colo da minha mãe, por perceber, na imensa sabedoria dos meus cinco anos, que, apesar de não ter entrado no avião, a sombra protectora de bonpetit estava algures por ali, a fumar o seu cigarro enrolado de fim do dia.

Anjos


- Tinha uma doente, uma mulher de quarenta anos, em fase terminal, um processo longo, doloroso, cheia de metástases, sabíamos que ia morrer a todo o momento, ela também sabia, um dia tínhamos acabado de fazer lhe a higiene, estava fresca, penteei-a com cuidado, estava um mimo, (é preciso conhecer bem a Enfermeira R para termos mesmo a certeza que a doente estava um mimo, higiene perfeita, bem posicionada, com aquele toque que ela tem, a Rosário anda sempre impecável, maquilhada, adora brincos e adereços, usa perfumes sofisticados que nos fazem adivinhar quando passou pelo gabinete), e de repente a doente olha-me e diz-me:
- Dá-me água, preciso de água...
Ela já não conseguia deglutir, mas fui-lhe buscar a água, a ideia era molhar-lhe os lábios com uma compressa,
- Não é isso, preciso de água, disse a doente numa angústia tal, como se a morte lhe estivesse a sorver os restos de água da pele, num desespero tal, que de repente olhei para ela e percebi, em vez de ver o corpo mirrado, corroído pelo cancro, vi uma espécie de flor murcha, sequiosa, a consumir-se em sede, conto-te isto porque és da psiquiatria e entendes, deu-me uma coisa, fui buscar uma garrafa de soro fisiológico, afastei os lençóis e puz-me literalmente a regar a doente dos pés à cabeça com o soro, como se fosse uma planta e eu fosse chuva, as minhas colegas vieram a correr, achavam que estava maluca, que estás a fazer, R, deixem, a doente é minha, e a doente sorria, um sorriso de alívio que ainda hoje guardo, como se estivesse a apanhar chuva, suspirou ligeiramente e parou de respirar, as colegas tiraram-me o soro da mão, e só me lembro que a mulher morreu a sorrir.

Da vida

" A sua cabeça descaiu um pouco na minha direcção. Soergui-a ligeiramente e aconcheguei-a a mim.
Teve, então uma pausa respiratória. Uma vez mais, surpreendi-me a querer fazer alguma coisa, instalar os tubos de oxigénio. De seguida mudei de ideia.
Ela estava a morrer, tinha-mo anunciado. Por que iria eu perturbar esse momento, tão singelo, tão intimo? Inspirou uma golfada de ar e, a seguir, deixou outra vez de respirar durante uns minutos. Sussurrei-lhe ao ouvido algumas palavras de ternura que me invadiam por elas próprias, sei lá de onde. Podia ser minha filha, e as minhas eram palavras de mãe, que pertenciam sem dúvida à alma de todas as mães, palavras vindas da eternidade. Pela segunda vez, recuperou o fôlego. Cruzou-se em mim a imagem de um pobre peixe caído na areia. Gostaria de o lançar de novo á agua. Gostaria de lhe voltar a dar vida. Vinham-me as lágrimas aos olhos. Nunca vivera um momento de tal intensidade. Ela parou, pela terceira vez, de respirar, e a tensão do seu corpo esvaziou-se subitamente. Percebi que acabava de morrer."

(Marie de Hennezel; Jean Yves Leloup-A Arte de Morrer)

Anjos

Os doentes morrem sózinhos em quartos do IPO. Antes, a morte era coisa pública, um evento social, com rituais sociais de passagem que incluiam a família, religiosidade ou a magia. Não me refiro aos rituais de enterramento, mas á morte em si, ao acto de agonizar.
Agora os doentes morrem sem esta rede comunitária, em situações de angústia extrema. Não há mortes fáceis nos quartos do IPO.
E se não morrem sózinhos é porque os enfermeiros estão lá.
São equipas de uma dedicação extrema e de um desgaste extremo.
40 horas semanais a lidar com a dor e a morte, a fazer lutos todos os dias.
Turnos de noite infindáveis, nem sempre a disponibilidade efectiva do recurso a cuidados paliativos.
São eles que lá estão, até ao fim. Ouvem-lhes as últimas palavras, os últimos segredos, os últimos pedidos, fazem-lhes os últimos mimos, choram às vezes no silêncio da noite quando um doente lhes morre literalmente nos braços.

- Morreu-me uma senhora este turno.Uma mulher tão corajosa!Disse-nos, a mim e à ana, quando chegámos, com um sorriso - ai meninas, isto hoje está a correr mal...
E morreu depois de uma noite toda à volta dela, a fazermos tudo, mas mesmo tudo para que estivesse sem dor e confortável... Parecia que estava à nossa espera para morrer. Mas ao mesmo tempo estou tranquila,sei que morreu serena, fizemos tudo.

Parecia que estava à nossa espera, não foi ana?
Para a APFN, “devem terminar de vez todos os escandalosos e crescentes privilégios dados às famílias "monoparentais", ou seja, devem acabar os apoios estatais a mães solteiras e em situação economicamente desfavorecida.
Assim de repente lembra-me aqueles argumentos caritativos recentemente esgrimidos a propósito da luta da mesma associação a favor da manutenção de penas de prisão de mulheres… Tanto egoísmo e incongruência chegam a ser chocantes.