sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Anjos

Os doentes morrem sózinhos em quartos do IPO. Antes, a morte era coisa pública, um evento social, com rituais sociais de passagem que incluiam a família, religiosidade ou a magia. Não me refiro aos rituais de enterramento, mas á morte em si, ao acto de agonizar.
Agora os doentes morrem sem esta rede comunitária, em situações de angústia extrema. Não há mortes fáceis nos quartos do IPO.
E se não morrem sózinhos é porque os enfermeiros estão lá.
São equipas de uma dedicação extrema e de um desgaste extremo.
40 horas semanais a lidar com a dor e a morte, a fazer lutos todos os dias.
Turnos de noite infindáveis, nem sempre a disponibilidade efectiva do recurso a cuidados paliativos.
São eles que lá estão, até ao fim. Ouvem-lhes as últimas palavras, os últimos segredos, os últimos pedidos, fazem-lhes os últimos mimos, choram às vezes no silêncio da noite quando um doente lhes morre literalmente nos braços.

- Morreu-me uma senhora este turno.Uma mulher tão corajosa!Disse-nos, a mim e à ana, quando chegámos, com um sorriso - ai meninas, isto hoje está a correr mal...
E morreu depois de uma noite toda à volta dela, a fazermos tudo, mas mesmo tudo para que estivesse sem dor e confortável... Parecia que estava à nossa espera para morrer. Mas ao mesmo tempo estou tranquila,sei que morreu serena, fizemos tudo.

Parecia que estava à nossa espera, não foi ana?

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