segunda-feira, abril 23, 2007

Forum filosofia

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O discurso de Sarkozy foi muitíssimo feminino.
Apaixonante e apaixonado, num tom claramente emocional de apelo ao sentimentalismo poético, apresentou-se como o único capaz de proteger os fracos, os vulneráveis, de acolher os estropiados da vida, de dar colo aos infelizes, "aos que dão muito e não recebem nada, aos abandonados".
Um discurso de maternage em que a palavra coração associado á política, surge a cada passo.
Não deixa de ser irónico que um político tradicionalista que se degladia com uma mulher use e abuse de um discurso tragicamente feminino, em contraste coma racionalidade serena do discurso de Segolene. ( De acordo com os estereótipos socialmente dominante sobre os padrões de comportamento feminino e masculino).
Aposto que Segolene vai perder.
Por uma razão freudiana– é a mãe quem tem mais poder.

Memórias de um país salazarento



A história da carochinha, descoberta precocemente graças a um anúncio televisivo, atormentou a minha alma de criança pelo fim trágico do joão ratão.
Aliás a descoberta da história da carochinha, coincidiu com a descoberta dos ferros de engomar a carvão, graças a uma dolorosa queimadura na mão esquerda, resultante da curiosidade inocente.
Até aí, os ferros de engomar que tinha visto eram todos eléctricos e na cozinha não havia apenas mulheres.
Todas estas descobertas coincidiram com a minha chegada a Portugal, um país atrasado, escuro, sufocante e surreal, mesmo para o olhar guloso de uma criança habituada a outras latitudes.

Revolução demográfica



Silenciosa mas inexoravelmente, vamos construindo uma sociedade de gerontes.
È possível que durante este século que se inicia a esperança média de vida humana nos países desenvolvidos ultrapasse os cem anos.
Os culpados? Os avanços da medicina e das biotecnologias.
Ao contrário dos dramatismos histéricos dos “natalistas”, o grande desafio da humanidade nas próximas décadas será a explosão demográfica, que afectará o desenvolvimento económico e exercerá uma forte pressão sobre os recursos do planeta, segundo a ONU.

sábado, abril 21, 2007

A mediatização de fenómenos como o de Virgínia tem impactos a uma escala imprevisível.
O efeito de mimetismo está em geral associado á mediatização excessiva e detalhada de incidentes de violência psicótica ou suicídio.
O jornalismo deveria ter em conta estas questões éticas em vez de divulgar compulsiva e inutilmente)determinadas imagens.
Um outro problema que não é discipiendo é a situação de imigrante do autor-vítima deste massacre. È muito fácil fazer generalizaçãoes xenófobas quando a imagem visual que temos sobre o mal é um estranho, um outro.
A diferenciação étnica não é apenas simbólica.

sexta-feira, abril 20, 2007

È desta forma que Márcia Smillack “ouve” este trecho musical. Em vez de sons, Márcia percebe a música como um conjunto de estímulos visuais.
Márcia pertence ao grupo de 1 a 4% de pessoas em todo o mundo que sofrem de sinestesia,uma alteração neurológica rara que provoca uma mistura dos sentidos.
Algumas destas pessoas vêem cada número, letra do alfabeto ou dia da semana como uma cor diferente. Para outras, os sons do ambiente são percepcionados como tendo padrões geométricos visuais., ou os estímulos visuais são percepcionados como tendo cheiros característicos.
Apenas recentemente experiências imagiológicas laboratoriais com PET confirmaram que a sinestesia era uma experiência sensorial genuína.
Uma das possibilidades de explicar esta perturbação é o facto de algumas áreas cerebrais serem contíguas (por exemplo, as áreas cerebrais activadas pela visualização de números estão muito próximas de áreas cerebrais activadas pela visualização de cores). Certas experiências de “confusão sensorial” poderiam ser explicadas por um curto-circuito neuronal em áreas cerebrais adjacentes.

quinta-feira, abril 19, 2007

Quem lida com doentes mentais psicóticos, quem contacta diariamente com doentes inimputáveis perigosos internados porque cometeram crimes, não acha estranho o massacre da Universidade de Virgínia. Um pessoa portadora de esquizofrenia paranóide, num ambiente desestruturado, sem medicação ou apoios psicossociais, pode ter comportamentos disruptivos de agressividade extrema contra si mesmo ou contra terceiros.
O que é extraordinário neste caso é APENAS a facilidade com que um indivíduo com uma doença mental grave pode ter acesso a armas de guerra.
Mais facilmente do que comprar um maço de tabaco.
( Nos Estados Unidos isto é mesmo verdade).
Ou ter acesso a filmes violentos que sirvam de inspiração, como o filme norte-coreano que o atirador tentou imitar.
Aliás a exposição mediática deste incidente é perigosa - pode conduzir a outros surtos de violência psicótica num mimetismo radical.
Hoje á tarde. Unidade de Psiquiatria.

Doente para um aluno:

- Não fales mais comigo. Não és real.

O Delírio nihilista, embora raro, é uma forma fascinante de alteração de pensamento que se caracteriza por uma angustiante e persistente negação da realidade – resultante da convicção delirante de que o mundo, as outras pessoas ou a própria pessoa não existem.

A crença de que a realidade resulta de um relativismo construído ( com base na percepção sensorial, na conceptualização pura ou na representação imagética individualmente construída) colide com a ideia de que a realidade existe de per si, independentemente da forma como é apreendida e reconfigurada.

De certa forma, a ideia de que interpretação da realidade é igualmente válida seja qual for a forma da sua apreensão /reconstrução simbólica, equiparando-se num mesmo nível de validade , a experiência mística o delírio ou a experiência científica, aproxima-se do nihilismo.

Por isso a sistemática negação da validade do conhecimento científico como forma válida de interpretação inteligível do real tem muito de esquizofrenizante.

quarta-feira, abril 18, 2007

Não há questões estritamente metafísicas.

Todas as questões metafísicas ou as questões de fé podem conduzir a questões de investigação científica.

“Fenómenos” como experiências místicas intensas, a oração ou crença em Deus podem ser investigadas.

Genialidade , doença e cérebro

Genialidade e cérebro

No excelente De Rerum Natura discute-se as diferenças entre Religião, Filosofia e Ciência.
A discussão prolonga-se nas caixas de comentários ( este é um dos raros blogues em que as mensagens nas caixas de comentários atingem o nível de qualidade dos posts).
Aqui fica um exemplo:
"Era o que faltava os filósofos ou os cientistas terem de se abster de defender certas ideias porque são contrárias ao dogma religioso. Aliás, é algo hipócrita a posição de algumas pessoas religiosas a este respeito — pois caso um cientista conseguisse provar a existência do Paraíso, ou que o vinho realmente sofria uma transubstanciação ao ser benzido na missa, de certeza que os religiosos não diriam “ah, pá, isso que se lixe, é irrelevante, é de outro domínio, eu tenho a minha fé e isso das provas científicas não interessa para nada”.
O camandro é que não interessa. Só não interessa porque nunca se conseguiu provar o que as religiões declaram que é verdade sem provas.»Desidério Murcho

Na Mouche

terça-feira, abril 17, 2007

Factos

"Todas as questões filosóficas que foram respondidas foram respondidas pela ciência. É esta a relação histórica entre filosofia e ciência.
A filosofia perguntou de que era feita a matéria, o que é o espaço e o tempo, se as coisas mudam ou se a mudança é ilusória, se tudo tem causa, e assim por diante, e a ciência foi respondendo conforme foi revelando o suficiente acerca do universo para colocar estas perguntas de uma forma concreta, detalhada, e testável.
A filosofia ainda tem muitas perguntas sem resposta, acerca da ética, da consciência, do conhecimento e até acerca da ciência e da filosofia em si.
Mas em geral a filosofia coloca perguntas, não dá respostas.
Não sabemos as coisas por especulação filosófica, mas sim por investigação científica. "
Estar doente com cancro.” Não imaginava que fosse assim, tão doloroso e, ao mesmo tempo, tão pouco digno como a velhice e a decadência. Tão reles".
Lobo Antunes escreveu a sua crónica de hospital com esta crueza aguda e eu reli e tresli a crónica, primeiro a julgar que era mais um naco de prosa brilhante, depois atarantada de ser tão verdade que quase podia sentir a caligrafia trémula a...
Fui rebuscar uma outra deliciosa crónica( ou a forma como um escritor nos devolve a realidade). e pus-me a relê-la noite adentro, na esperança de que....


"Somos felizes. Acabámos de pagar a casa em Outubro, fechámos a marquise, substituímos a alcatifa por tacos, nenhum de nós foi despedido, as prestações do Opel estão no fim. Somos felizes: preferimos a mesma novela, nunca discutimos por causa do comando, quando compras a «TV Guia» sublinhas a encarnado os programas que me interessam, lembras-te sempre da hora daquela série policial que eu gosto tanto, com o preto cheio de anéis a dar cabo dos Italianos da Mafia.
Somos felizes: aos domingos vamos ao Feijó visitar a tua mãe, ficas a conversar com ela na cozinha e eu passeio com o Indiano, filho de uma senhora que mora lá no pátio; assistimos ao básquete dos sobrinhos dele no pavilhão polivalente, comemos uma salada de polvo no café durante os resumos do futebol, e voltamos para Almada à noite, com o jantar que atua mãe nos deu numa marmita embrulhada no «Record», a tempo de assistir às perguntas sobre «factos e personalidades» do concurso em que a apresentadora se parece com a tua prima Beatriz, a que montou um pronto-a-vestir no centro comercial do Prior Velho.
Somos felizes. A prova de que somos felizes é que comprámos o cão no mês passado e foi por causa do cão que tirámos a alcatifa, que as unhas do animalzinho rasparam de tal forma que já se notava o cimento do construtor por baixo. Andamos a ensiná-lo a não estragar as cortinas, pusemos-lhe uma coleira contra as pulgas depois de uma semana inteira a coçarmo-nos sem entender porquê, passados dois dias o Fernando começou a coçar-se também e a acusar-me de cheirar a cachorro e levar pulgas para a repartição, o chefe avisou-me do fundo
- Veja-me lá isso, Antunes
de modo que pus também uma coleira contra as pulgas debaixo da camisa e o Dionísio, espantado
- Deste em cónego ou quê?
E eu, envergonhado, a abotoar o colarinho
- É uma coisa chinesa para o reumatismo, a Jóia Magnética Vitafor é uma porcaria ao pé disto
e como nas Finanças se respeitam o reumatismo e as coisas chinesas, nunca mais me maçaram.
Às segundas, quartas e sextas sou eu que vou lá abaixo levar o cão a fazer chichi contra a palmeira, às terças, quintas e sábados é a tua vez, e o que não vai lá abaixo fica à janela a olhar o bichinho a cheirar os pneus dos automóveis, com um ar sério de quem resolve problemas de palavras cruzadas que os cães têm sempre que farejam postes e Unos.
Somos felizes. Por isso não me preocupei no Sábado com o animal, muito entretido na praceta, e tu atrás dele, de trela enrolada na mão, sem olhares para cima nem dizeres adeus, a nadares devagarinho até desapareceres na travessa para a estação dos barcos. Foi anteontem. Às onze horas tirei o cozido do forno e comi sozinho. Ontem também. Hoje também. Não levaste roupa, nem pinturas, nem a fotografia do teu pai, nada.
Ainda há bocadinho acabei de gravar o episódio da novela para ti. A tua mãe telefonou, a saber porque é que não fomos ao Feijó, e eu disse-lhe que daqui a nada lhe ligavas. Porque tenho a certeza de que tu não te foste embora, visto sermos felizes. Tão felizes que um dia destes vou comprar um micro-ondas para, se chegares a casa, teres a comida quente à tua espera."

págs. 39 a 40 (1ª edição)

segunda-feira, abril 16, 2007

Brandos costumes


50 Euros foi o que rendeu o assalto que resultou na morte de uma mulher Afinal os assassinos não eram imigrantes, como toda a gente comentou quando soube do crime.
Não eram "de fora " nem eram "pretos".
Eram bons portugueses e mais, eram forcados, esse simbolismo do marialvismo luso que tanto
inebria alguns salazarentos.

sexta-feira, abril 13, 2007

Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude
.

Eugénio de Andrade
Procura a maravilha.

Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.
No brilho redondo
e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha
.

Eugénio de Andrade



Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser
que já é
o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

Alexandre O´Neill

segunda-feira, abril 09, 2007

Isto é serviço público.


Numa esplanada á beira mar neste fim de semana:

Avó a babada para o netinho de três anos, :
- Vá Miguel, cumprimenta este senhor , diz lá : Olá senhor doutor ...( nome extenso).
O citado, completamente incomodado com a situação, retorquiu:
- Que disparate, dona ( nome extenso), que frase tão complicada para um miúdo. Olha diz-me olá e pronto!


A recente polémica pretensiosa acerca do título académico do actual primeiro ministro evoca este provincianismo nacional do chapéu na mão e coluna curvada perante os senhores doutores e senhores engenheiros. Não sei se vem da nossa tradição salazarenta, esta ideia de que um que governante que se preze tem de ter um título académico sonante ( veja-se como o título de professor se conjuga bem na linguagem do politiquês)...
Esta “perseguição “ política ao currículo académico de Sócrates é tão ridícula como reveladora deste tipo de mentalidadezinha provinciana.

Páscoa na Sexta-Feira




- Deixem a minha menina, levem-me a mim, terá dito a mulher antes de ser abatida com um tiro na cabeça por um dos assaltantes.
No meio de tanta ideologia balofa, de tanta demagogia sem rosto, de tanto paleio existencialista, vejo esta mulher, de 43 anos, que morreu de chinelos, para proteger a sua filha de vinte e um anos, a sua menina.
Não há maior amor do que dar a vida…
A morte só tem sentido se for para dar vida aos que amamos. (Não por expiação, por troca ou por aniquilamento niilista, como nos ensinaram em pequenos...)
Perante o amor pelo outro, não temos alternativa – tudo fazer para o proteger e lhe dar a vida.
Só uma mãe pode compreender isto.
( E quando digo mãe incluo todos os pais que sabem do que falo) .

A ser verdade, a questão de um professor universitário de Direito , utilizar os materiais didácticos da sua disciplina para, de uma forma totalmente descontextualizada, verter ideologismo religioso ou utilizar as suas aulas para doutrinar os alunos sobre criacionismo, levanta questões graves.
Não apenas do ponto de vista científico e pedagógico, mas até do ponto de vista ético.

Colocando a questão em perspectiva, não é por acaso que este comportamento ideológico criacionista surge numa faculdade de direito. E numa disciplina do curso de direito.Digamos que seria completamente inconcebível tal suceder numa faculdade ligada ás biociências, ás tecnologias, á física ou ás matemáticas.
E seria inconcebível por um razão extraordinariamente simples – o paradigma de conhecimento científico em que se baseiam as ciências exactas é de um rigor metodológico que não permite que se fundamentem em meras abstracções metafísicas ou relatos mitológicos quaisquer alterações a teorias científicas fundamentadas.
Digamos que o rigor do conhecimento científico não passa pelo paradigma da retórica aristotélica mais ou menos elaborada ou por exercícios fantasiosos mascarados de pensamento científico, em que a argumentação não se baseia na factualidade experimental mas na pura arte da oratória.

Um bom exemplo é a negação da evolução do homem pelos criacionistas, colocando de lado radicalmente toda a história fóssil, que documenta sem margem para dúvidas essa mesma evolução do Homem.
Hoje o paradigma das ciências exactas há muito que superou o dualismo natureza/sociedade ou o reducionismo mecanicista que dominou a epistemologia da ciência moderna ocidental, algo que parece ser esquecido ( ou ignorado?) pelos fundamentalistas religiosos.

E uma das implicações directas do conhecimento científico moderno é que sustenta práticas concretas e permite intervir sobre a realidade. A ciência moderna,ao contrário da ideologia religiosa, através da sua capacidade tecnológica permitiu (permite) uma intervenção concreta na realidade.

Em compensação, o diletantismo ideológico de cariz religioso conduz muitas vezes á pura retórica simbólica, desligada da realidade concreta.

Como escreveu D. Murcho, ao contrário do que por vezes se pensa, é precisamente porque na ciência se erra que as suas afirmações merecem mais confiança do que as das tradições sapienciais ou religiosas, que se outorgam falsamente a propriedade sobre-humana da infalibilidade.