sexta-feira, janeiro 30, 2009

o OUTRO LADO

A velha que vive no corredor nunca ouviu falar das discussões sobre o sexo dos anjos. Está até convencida que os anjos têm pequenos pénis rosados que usam para fazer maroteiras em corropios celestiais.
A velha tem uma vida aguadamente lenta entre as quatro paredes do corredor estreito onde se entreabrem duas portas. A solidão espessa, os estalidos da madeira, já não a assustam.
À noite dorme pouco. Tem medo que os ratos lhe subam na cama e lhe mordam os olhos.
- Já viu, menina, se fico cega?
A velha quer estar deitada na cama do corredor de olhos bem abertos. De vez em quando há uma luz que amarelece a portada e a faz sonhar com anjos. Se não visse os desvarios da luz a dedilhar a portada como sabia dos dias e das noites, das madrugadas que se adivinham muito antes de se anunciar, dos ciclos das chuvas? Gosta do Malato e acha que a menina júlia, à tarde , fala directamente para ela.
- Já viu, menina, se fico cega?
O mundo chega-lhe de assomo, directamente do canto do corredor onde a televisão a espreita - um quadrado muito pequeno de todas as cores, a pingar a humanidade inteira nos estalidos do soalho.

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