sexta-feira, janeiro 02, 2009

Como tornar-se doente mental

"Ser histriónico é uma carreira inolvidável, embora mais adaptada a mulheres. Não há nada que mais impressione o imaginário popular, o que a pode colocar no altar dos santos e eleitos. Também não há nada que mais baralhe os médicos, psiquiatras e psicólogos.Tanto que, ainda há pouco tempo, eles teciam risíveis teorias sobreum útero esfomeado que andava à solta dentro do corpo dasmulheres, provocando os mais incríveis sintomas. Daí o nomeantigo (nas ainda actual para muitos entendidos) de histérica!
Se a sua opção for essa, convem que, quando pensar em si, o faça apenas através dos olhos dos outros. Nunca diga «aconteceu-meisto» mas sim «fizeram-me aquilo». Mesmo ao falar das suas doenças nunca diga o que sentiu ou padeceu, mas sim o que os médicosdisseram de si. Dou-lhe este conselho por uma razão muito simples:aconteça o que acontecer, você tem de ser sempre a pessoa mais santa, mais bondosa, mais pacífica, mais cumpridora, mais agradável,mais simpática, embora talvez também a mais ingénua, do mundo.
(...).De certo modo, isto é fazer teatro, e daí o novo nome - histriónica -da carreira em que se inscreveu. Mas, que mal tem? Cada um necessita do seu próprio teatro para ser levado à certa.
IV. Como tornar-se histriónico
Padrão global de emotividade excessiva e procura de atenção, indicado por 5 ou mais dos seguintes:
1. Desconforto em situações em que não é o centro das atenções.
2. Interacção com os outros caracterizada por sedução sexual inapropriada
ou comportamento provocador.
3. Exibe expressões emocionais que mudam rápidamente e se mostram
superficiais.
4. Usa consistentemente a aparência física para atrair as atenções sobre si.
5. Tem um estilo de discurso que impressiona excessivamente mas é
fraco nos detalhes.
6. Mostra auto-dramatização, teatralidade e expressão exagerada das
emoções.
7. Sugestionável, sendo fácilmente influenciado por outros ou por
circunstâncias.
8. Considera os relacionamentos como mais íntimos do que na realidade são.
(...)A coisa não vai ser fácil. Vão ser necessários muito treino e afinco, talvez circunstâncias favorecedoras, e alguns truques que as pessoas aprendem mas que eu lhe vou ensinar. Todo o problema é saber ocultar as memórias e criar automatismos de acção. Se os hipnotizadores conseguem induzí-lo nas outras pessoas, se conseguem mesmo ensinar auto-hipnose (a propósito, não será má ideia ir-se envolvendo em ambientes de hipnose e práticassimilares, incluindo o espiritismo e as margens das diversas religiões onde se exibem milagres), porque é que você não o pode conseguir? Em boa verdade, se seguiu a carreira da personalidade histriónica, já está meio preparada. Habituou-se a não pensar muito nos seus verdadeiros sentimentos, mas a ter uma imagem idealizada da sua pessoa: muito bondosa, pacífica, respeitadora, etc. Se alguma vez se passou destes limites e teve um comportamento reprovável, não podia ter sido essa pessoa: foi obrigada a isso, foi algum espírito maligno, uma doença, o alcool, seja o que for, mas nunca você.
É bem possível que a tentação do acto proibido volte de novo. Tentação, sim, porque tais desejos excessivos (tantas vezes agressivos ou eróticos) nunca podem partir da santa pessoa que você é. Um recurso possívelé o alcool. Bebendo um ou dois copos, fica preparada. Atira-se de cabeça, cumpre os desígnios ocultos e, no dia seguinte, não se lembra de nada. No entanto, este é um recurso demasiado óbvio (é preferido por homens) e corre o risco de não ser considerada personalidademúltipla mas sim alcoólica. É muito pouco, e pouco sofisticado.
Vamos agora ao grande truque: contenção, respiração e acção. Não sei se já reparou em alguém que, cheio de raiva, está prestes a partir a cara do vizinho. Enquanto se segura (ou o seguram) vai respirando ofegantemente. Assim que se solta, entra na briga e leva tudo raso sem se dar conta. Muitas pessoas, incluindo desportistas (halterofilistas, por exemplo), utilizam este expediente para fazer proezas que parecem estar para além dos limites humanos. Ora é isso mesmo que você tem de fazer. Detenha-se um pouco a arfar, enquanto pensa naquilo que lhe apetecia fazer mas não deve nem consegue. Ao fim de algumas inspirações, está pronto a lançar-se na acção, sem que consiga já pensar. Verá que fará tudo na perfeição, e que mal conseguirá recordar o que lhe aconteceu. Assim, não foi você que o fez, acabou de ter um ataque.
Se alguém observar a sua proeza, não deixará de ficar surpreendido e de encontrar explicações. Pode pensar que está doente ou, melhor ainda, que algum espírito se apoderou de si. Fixe bem essas explicações, porque é a elas que você se vai adaptar em futuros ataques do género. Quando quiser, é só respirar profundamente enquanto se concentra no assunto, e depois soltar-se. Até pode mudar de cara, de voz, ou falar línguas estranhas.
Se entrar em círculos de espiritismo ou de fanatismo religioso (algumas seitas religiosas treinam o seu pessoal para assim exibirem milagres), tem o seu futuro assegurado. (...) O que lhe posso dizer é que, quando respira fundo com o tórax, o sangue se enriquece de oxigénio e se empobrece de anidridocarbónico. Em consequência, fica mais alcalino (ou seja, menos ácido). Ora, em meio alcalino, a hemoglobina, que transporta o oxigénio dos pulmões para os tecidos, fica ávida das moléculas de oxigénio e não as larga. Existe então demasiado oxigénio nos pulmões e no sangue (uma «bomba energética» prestes a rebentar), mas pouco nos tecidos orgânicos, incluindo o cérebro e os músculos.Neste caso, só podem funcionar os neurónios e fibras musculares que não dependem do oxigénio (anaeróbicos), e que parecem ser aquelas que estão preparadas para automatismos de emergência. O que você cria, com a hiperventilação, são assim automatismos de emergência, uma vez que os neurónios de que depende a consciência e a memória explícita necessitam de oxigénio para funcionar."
Excelente texto do Prof Pio de Abeu

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