São todos tão jovens. Deslizam pelos corredores vestidos de branco. Os enfermeiros na terra e os anjos no céu, disse um doente.
Aqui morre-se muito. Aqui, morre-se todos os dias. É verdadeiramente o corredor da morte. E os anjos deslizam, com suavidade. Hoje são loiros, os dois, uma jovem mulher que sorri docemente e um homem de trinta anos, muito belo. Sorriem-me também quando entramos no gabinete e o sorriso é caloroso, um enorme clarão morno que nos empurra a entrar.
Ele está deitado a dormir profundamente. Agonizante. Em lençóis limpíssimos, que a respiração estertorosa eleva e afunda com um bote na água. A enfermeira de sorriso loiro explica pacientemente a evolução da noite, o banho matinal, a barba irrepreensível, o corte de cabelo, o débito urinário. Tem os pés gelados penso eu , e eis-nos a tapar-lhe os pés com o cobertor, sabendo de antemão que não vão aquecer. O rosto corcomido pelo cancro parece uma daquelas imagens de cristo agonizante que as histéricas reverenciam. Órbitas arroxeadas numa magrez de cadáver, as mãos translúcidas, a pele de um macilento acinzentado. O cabelo , tão negro , tão jovem - que idade tinha, e agora que idade tem. Ficamos a olhá-lo em silêncio durante minutos numa prece muda abraçadas - a minha amiga e eu. Nada mais há a dizer - é este o fim da estrada. Não sabemos quanto durará a agonia.
Só choro quando me despeço dos anjos , duas cabeças loiras debruçadas sobre a a dor.
Choro, não só de tristeza, mas de uma espécie de profunda gratidão por existirem anjos - estes, que chegam com a seringa de morfina.
4 comentários:
É uma coisa muito triste quando se sabe que não há esperança. Ainda me lembro do que sofri quando o meu avô morreu - de cancro nos pulmões. Penso que nos seus dias finais já nem a morfina fazia efeito, mas a minha mãe escondeu-nos a maior parte do sofrimento, cabendo-lhe a ela beber o cálice sózinha, até ao fim. Tente rezar, não me lembro de outro conselho que lhe possa dar.
Pelo seu doente, e por esses anjos:
Pai Nosso, que estais no Céu: santificado seja o Vosso nome! Venha a nós o Vosso reino, assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. ámen.
E já agora por si: Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós.
Pronto, agora quem passar por aqui a ler isto há-de rezar por vocês:)
Coragem, e um santo Natal!
Mais valem duas mãos a trabalhar do que milhares unidas em oração. Não sei se existem anjos no Céu, nem mesmo se o Céu existe, nem tão-pouco me interessa. Apenas agradeço pelos enfermeiros na Terra.
Que Nossa Senhora da Saúde abeçoe todos os enfermeiros, em cujo grupo me enquadro, e todos os profissionais de saúde...
Que saibamos ter em conta a prespectiva bio-fisiológica, humana e cristã no nosso trabalho.
Omnes, cum Petro, ad Iesum per Mariam.
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