"A mulher, que uma vida mais espontânea, mais fecunda, mais confiante habita, está sem dúvida mais perto do humano do que o homem - o macho pretensioso e impaciente que ignora o valor do que julga amar por não estar preso às profundidades da vida, como a mulher, pelo fruto das suas entranhas. Esta humanidade, que na dor e na humilhação amadurece a mulher,virá à superfície quando esta quebrar as cadeias da sua condição social. E os homens, que não sentem aproximar-se esse dia, ficarão surpreendidos e vencidos. Um dia (sinais certos o atestam já nos países nórdicos), a rapariga existirá, a mulher existirá. E estas palavras: 'rapariga', 'mulher', não significarão somente o contrário de 'homem', mas qualquer coisa de pessoal, valendo por si mesma; não apenas um complemento,mas uma forma completa de vida: a mulher na sua verdadeira humanidade.Um tal progresso transformará a vida amorosa, hoje tão cheia de erros (e isto mau grado o homem, que, de princípio, será ultrapassado). O amor deixará de ser o comércio de um homem e de uma mulher para ser o de duas humanidades. Mais perto do humano, será infinitamente delicado e cheio de atenções, bom e claro em tudo o que fizer ou desfizer. Este será o amor que, lutando duramente, agora preparamos: duas solidões que se protegem, se completam, se limitam e se inclinam uma para a outra. Isto ainda: não julgue que o amor que conheceu adolescente se tenha perdido. Não foi ele que fez germinar em si aspirações ricas e fortes, projectos de que ainda hoje vive? Tenho a certeza de que esse amor apenas sobrevive, tão forte,tão poderoso na sua recordação, pelo facto de ter sido a primeira ocasião de estar só no mais profundo de si próprio, o primeiro esforço interior que tentou na sua vida.Meu caro senhor Kappus, todos os meus votos de felicidade. Seu
Rainer Maria Rilke
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