"Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o
amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da
imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento
extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as
Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são
quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas
pela ânsia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo
vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece
reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças
novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo
os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o
interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como
na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando
aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados
subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da
política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando
acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os
interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já
não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume
nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a
Vénus fatal e vencedora!
"
Eça de Queirós, in 'A Correspondência de Fradique Mendes
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