sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Aventuras e descenturas de Chico Agulha 2

A minha vida começou a andar para trás. Já não me bastavam as desconfianças de Miquelina, enfurecida pelos dichotes da vizinhança e pelos cacos do galgo de porcelana. Deixou-me à míngua por quase duas semanas, nada de pitéus nem  moelinhas ou outras lambuzices. 
Com muita lábia, músicas do Tony Carreira, um perfume sugerido pela Mónica da reprografia, lá acabei por a convencer que não era nenhum dealer, que ideia parva, eu, que, juro pelas alminhas, nunca toquei em droga e me enjoo com cigarros...
Andava Miquelina já amolecida, a olhar p'ra mim suspirosa, apiedada do meu ar de cão batido, quando o Tó Sida me foi procurar à saída do emprego. Vinha encolhido como sempre, casaco de coiro preto a tapar os braços mais esburacados que honra de político.  Man, sou teu amigo, tenho que  te avisar.. ..
E foi assim que fiquei a saber que Chico Agulha, curado da ressaca e revigorado do tratamento de desintoxicação, andava outra vez nas ruas. E que tivera um assomo assombroso de memória. Falava, ao pormenor,  do interior da minha vivenda, as taças de cristal atlantis da sala, a colecção rara de LPs de música sinfónica, o busto de bronze na entrada, o televisor novinho em folha  usado para ver o jogo de futebol. E o  desgraçado fazia planos com os amigos, apreçava objectos, propunha trocas.
 Era garantido, não tarda nada ia assaltar-me a casa.

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