sábado, janeiro 26, 2013

O último dia

Às vezes Imperatriz sonhava. O bafo  do sertão, o cheiro da mãe, ´inda tão nova quando a deixara. Aquele calor de humidade perpétua que punha regos de suor no colo das mulatas, a frescura do anoitecer, os guinchos de brincar dos irmãos mais novos, o vestido de folhos descosido nas pontas que enfiara para entrar no barco de vinda.  Lisboa ao amanhecer.
Imperatriz, sentada no cadeirão da sala, espreitou pela janela. Contemplou  as casas, transida de frio. A sombra do cais embrulhado no xaile roxo da neblina estreitava a multidão. Ao longe, uma velha enrolava um colar de contas, sem se lembrar de quantos filhos já parira.
Imperatriz sentiu um sufoco, uma pancada funda  no coração. Quis chamar a criadagem, mas a voz faltou-lhe.
Sossegou quando viu ao longe o vulto do pai.  
José estendia-lhe a mão e Imperatriz compreendeu.
Estava na hora de voltar.

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