O pai José, quando fez quarenta e dois anos convenceu-se
finalmente de que nunca juntaria dinheiro para fazer a sonhada casa brasileira na
aldeia, ameias de castelo, uma fonte de ninfas nuas na entrada, duas palmeiras
monumentais. Estava gasto, perdido, roído de diarreias e suores, com uma dor de
peito de tísico-em-fim-de-linha. Escarrava sangue dia sim, dia não, o pouco que
amealhara em quinze anos de escravatura descontando os gastos com putas e sobrevivência
básica, pouco mais dava do que uma passagem de barco.
Mandou escrever uma curta carta à mulher, Maria
das Dores, a falar de saudades, anunciando regressos. Juntou as coisas de
amortalhado, parcos haveres, parcos patacos, um malão de couro onde cabia tudo
de tão pouco. Vida dura, trabalho que gasta até aos ossos, fome de carne nova,
sonhos de átrios de azulejo, de escadarias, tetos de fino estuque, lustres de
cristal, cachaça barata.
Despediu-se da preta que o aturara submissa desde
quase criança. Carregada de filhos, mulatos todos, carregada de dores, das cores
todas, uns empurrões de vez em quando que isto da cachaça barata é mesmo assim,
um berloque de contas no natal, mais precioso que aliança de ouro, a preta que
chorava agarrada aos filhos, agarrada ao homem, José, meu José e ele a saber-se morto, praticamente cadáver, a
tossicar explicações do que não podia explicar, aquela saudade, aquela dor-de-fim-de-mundo,
aquele desejo sem explicação de ser enterrado em casa, de ouvir os sinos no
funeral, de ver oliveiras, sentir o cheiro das queimadas de novembro, as
primeiras neves que não mais voltara a ver. E foi nesse momento, enquanto se
arrancava a custo dos braços da mulher, que o seu olhar embasbacado tropeçou
em Imperatriz.
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