domingo, junho 21, 2009

Santas anoréxicas


A anorexia nervosa é um transtorno do comportamento alimentar que se caracteriza por uma grave restrição da ingestão alimentar, busca incessante pela magreza, distorção da imagem corporal e amenorréia. Embora na etiologia da AN tenham especial importância factores biológicos, genéticos, psicológicos e familiares, ganham relevo os contextos socioculturais no aparecimento desta doença. As santas e beatas da Idade Média, com seus jejuns auto-impostos, perseguiam um ideal não de beleza, mas de ascese e de comunhão com Deus. Neste contexto, o jejum, os vómitos autoinduzidos, a inanição (e a morte) eram socialmente incentivados em contextos religiosos e interpretados não como uma grave doença mental mas como prova de santidade. Outro aspecto interessante é que a privação de alimentos e o jejum autoinduzido pode implicar alterações de estado de consciência ou mesmo estados alucinatórios, interpretados como "experiências místicas". Santa Catarina de Siena, Santa Colomba de Rieti, Santa Catarina de Gênova, Santa Verônica, Santa Maria Madalena de Pazzi e Santa Clara de Assis, são apenas um exemplo de anoréxicas cuja principal prova de santidade era a sua doença mental.
Chegou a tal extremo o hábito de "nunca comer" entre as santas medievais, que os registos feitos pelos confessores surpreendem por constituírem verdadeiras histórias clínicas. Santa Colomba de Rieti morreu por desnutrição severa auto-imposta e Santa Verônica não ingeria alimento algum, excepto às sextas-feiras, dia em que permitia-se mastigar cinco sementes de laranja em nome das cinco feridas de Jesus. Maria Madalena de Pazzi, fazia jejuns severos e, quando forçada a comer, provocava vômitos. Considerava os alimentos como tentações do diabo, às quais deveria resistir, sendo, no entanto, freqüentemente surpreendida comendo, às escondidas, grandes quantidades de alimentos. Um caso típico de bulimia.
Santa Catarina de Siena só ingeria diariamente um molho feito de ervas, recorrendo aos vômitos para eliminar todo alimento ingerido à força. A vida de Catarina tem sido muito estudada por especialistas em transtornos alimentares pelo interesse que seu quadro alimentar desperta.Catarina de Siena vomitava regularmente, autoinduzindo os vómitos. Para isso costumava usar uma fina palha ou outro objecto que introduzia na sua garganta. Segundo alguns registos, o seu confessor tentou persuadi-la a deixar essa prática, mas ela continuava assegurando que isso agradava a Deus.

A partir do século XVIII, com o alvor da modernidade, a Igreja Católica sentiu necessidade de tomar uma posição formal contra este surto de santas anoréxicas e seguidoras, contestando os jejuns bizarros. Só a partir desta época é que a Igreja Católica considerou, nos processos de canonização, que os jejuns extraordinários não eram automaticamente prova de santidade. Até aí o jejum feminino era visto como uma espécie de espectáculo - as "virgens do jejum", cuja capacidade de viver sem comer era um milagre. A partir desta data o jejum deixou de ter componentes místicas. No século XVII algumas destas mulheres anoréxicas, que "viviam, sem comer" eram apresentadas em circos e feiras em várias pontos da Europa, já sem o rótulo da santidade mas com a marca do espectáculo circense.

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