sábado, junho 13, 2009

Regresso

Ainda a debater-me com sonos trocados, tento perceber a aguda saudade que senti algures mais a norte, onde o sol quase não se põe.
É meia noite e nós pasmados num lusco fusco que se eterniza, o sol rosado em míriades fadas geladas, o mar de um verde escuro amargurado como um cão, eu pacificamente à espera que o sol poente acabe de caír a pique nas águas e nada, o sol rente à linha do horizonte, resplandescente, suspenso, poalha doirada a escorrer da garganta dos penhascos, o gelo árctico a espalhar a luz em leques voluptuosos e nada de noite.
Deu-me um ataque de portuguesismo só para sentir o peso da sombra da noite. Logo recuperei assim que entrei no avião da TAP e folheei os jornais da semana.
E por isso mesmo, hoje deslumbrei-me com este magnífico texto:
"Tenho para mim desde há muitos anos que uma das coisas que este país tem de mais íntimo e emocionante é esta sua descuidada higiene entre o esplêndido e o ignóbil em que todo o português se lava, quer o queira ou não; a convivência aparentemente incompatível que existe entre a saudade e as caracoletas, entre a filigrana e o courato.
O fado é, aliás, a melhor representação dessa intimidade esquizofrénica por fazer a ponte entre a poesia e a moela, entre o xaile, qual calor de mãe, e a unha crescida, qual canivete suiço. Outro conhecido fenómeno derivado é o improviso, a vocação portuguesa para o improviso, que estabelece esse luso ecumenismo entre a eficiência e a inépcia, entre o que está feito e o que já devia ter sido feito. Todos os dias encontramos razões que documentam esta quase endémica coexistência entre o estupor e o esplendor de Portugal."

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