quarta-feira, abril 15, 2009

AS BRUTAS

Quatro mulheres enforcaram-se no planalto.Degolaram com paciência os seus animais as suas vinte cabras, os seus dois cães de raça e os corpos penderam no vazio. Mas o vazio tinha nesse dia uma luz roxa e havia pássaros presenciando o sangramento daquele sangue jovem.Eram irmãs e os cães eram amantes e as cabras pastavam sobre a mesma colina, cruzavam e descruzavam as suas patas dianteiras com um lento movimento de felicidade.

Ao levantar-se, ninguém estava com ânimo para assistir à paisagem. Ninguém ouviu o canto das cabras ao concluir o seu caminho.Ninguém ouviu ladrar os cães (o seu silêncio é a morte) e não há que virar os olhos para os cumes nevados com as quatro mulheres penduradas (podem ser de argila a esta distância) figuras de palha seca ao sol, (espantalhos) alguma ilusão de cinza no alto. Atrás, segue passando o rio. Cada vez mais claro, mais manso. O vento balança-as a cada momento. Ninguém se atreve contudo a descê-las. Ninguém quer conceber o uivo sem eco de planalto. Mulheres sem homens (bestas) com os joelhos fracos– não foram elas as do grito, as da queixa –foi mais dos animais a lamentação.
Soa um corno de caça medieval. O homem numa névoa de paixão, recordações e amargura(baixa) mas chegou tarde para as resgatar. Luciana casava-se na próxima semana. Não pôde adiar a decisão colectiva, o rito de morrer das suas irmãs.Justa cerzia para um orfanato e Quisque dava de comer aos animais. Umas vidas simples… Quisque, Justa, Lucía e Luciana rebentaram o cordel que juntas as atou. As brutas, diziam-lhes.

As sábias, murmuravam. Contradição da representação. Formalidades. Quatro figuras, vinte cabrase dois cães de raça caem como sementes no orvalho. Uma mão, o dorso de um cão, a falange, um pescoço cortado em cruzo meu focinho, o teu.O cordel que as une é o limite?O limite esse grito que ninguém escutou?Como tirar os olhos de uma paisagem sem cães nem cabras?
[in Poesia Cubana Contemporânea - Dez Poetas, selecção de Pedro Marqués de Armas, tradução de Jorge Melícias, Antígona, 2009]

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