quarta-feira, setembro 12, 2012

Ofélia, a porteira I

Se o cabelo define uma mulher, o cabelo de Dona Ofélia , numa aridez grisalha pintalgada de louro, era o espelho da sua alma.
Dona Ofélia, sabia de tudo o que se passava no prédio, punha-se no hall das escadas, durante a noite,  para melhor escutar. Os sussurros, os passos,  ou mesmo os berros das discussões azedadas, eram a sua telenovela da noite.Vigiava o carteiro,  a quem abria a porta todos os dias, e, de soslaio, espreitava a  correspondência de  toda a gente, as cartas de amor, as cartas do banco, os convites de casamento dos parentes, as cartas de condolência pelos defuntos.
 Dona  Ofélia tinha um cabelo arisco, tão sujo como a língua estreita e vigiava com complacência excitada, a vidinha dos moradores dos seis andares, multiplicados por dois. Doze apartamentos  ao seu dispor, sem segredos, sem intimidades, sem nenhuma aflição, por mais impúdica, que ela não soubesse.
Doenças, infidelidades, nascimentos e abortos, dívidas ao banco e visitas a bordéis, tudo passava pelo olhar e pela língua esponjosa de Dona Ofélia e se fixava no seu cabelo infame,  como laca.

1 comentário:

musaranho-coxo disse...
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