domingo, setembro 16, 2012

São Francisco - IV

Foi mais ou menos por essa altura, em meadas dos anos sessenta, que Francisco começou a fazer os seus subtis milagres. Milagres comezinhos e completamente invisíveis, longe da espectacularidade das missas, desses que não originam espantos ou romarias.
O primeiro e mais assombroso ainda hoje deixa perplexo o padre da freguesia, na altura um jovem cura recém-saído do seminário. O cura sabia que, quando alguém tem o brilho estranho da santidade ou a cruz da bondade extrema, mais cedo ou mais tarde a pequena matilha da maldade comezinha começa a ser-lhe atiçada. Começam a dúvidas, os dichotes, as pequeniníssimas insinuações que se vão avolumando, as reticências, os "cala-te boca", as interrogações tácticas, os rumores sobre vidas passadas, as filhas ou as mulheres, as inevitáveis histórias de dívidas ao jogo ou visitas a bordéis - o encarniçamento da mediocridade contra tudo o que é excepcional. O cura viu muito boa gente ser lapidada com a violência da suspeita ou do medo ou daquele ódio á luz que as trevas sempre têm.

Mas não com Francisco. Isso foi o seu milagre. Nunca ninguém da aldeia ousou sequer levantar uma dúvida, uma sombra, uma maledicência, uma suspeita, um trocadilho brejeiro sobre Francisco ou a sua família. Nunca ninguém no burgo duvidou um instante sequer da extraordinária bondade de Francisco.
E todos os Domingos, quando o sentavam na varanda, no seu altar de cego exposto ao sol e ao mundo, as pessoas faziam por passar pela rua, paravam na berma dos degraus da escada, olhavam para cima, benziam-se apressadas e só descansavam quando a voz de Francisco lhes dava a salvação.

Sem comentários: