sexta-feira, setembro 14, 2012

São Francisco I

Francisco passou o últimos anos da sua vida encafuado num cubículo ao lado da cozinha, numa cama de madeira.
O quarto era de uma escuridão absoluta, sem janelas nem luz eléctrica. E isso era absolutamente normal. Francisco era a única pessoa da casa que não precisa de luz. A cegueira surgira lentamente, insidiosa, até o envolver no manto definitivo.
Aos domingos, quando havia sol, as mulheres da família lavavam-no, vestiam-no dos pés à cabeça com as melhores calças e camisas, penteavam-lhe cuidadosamente o cabelo com risco ao lado e faziam-lhe a barba com água morna e espuma de barbear palmolive. No cabelo molhado a filha mais nova fazia ondinhas com o pente, a imitar o estilo das estrelas de Hollywood.  Por fim, luzidio e brilhante, encharcado em after shave barato, carregavam-no numa cadeirinha para a varanda da casa, como num andor. E lá ficava francisco, beatífico e sereno, de uma palidez fantasmagórica, olhos glaucos fixos no nada. Até ao entardecer.

Sem comentários: