segunda-feira, setembro 17, 2012

Uma morte santa

O funeral de Francisco foi modesto. Meteram o caixão de madeira acolchoado de cetim branco do meio da sala. Não foi difícil encontrar espaço. As escassas mobílias – um aparador  e uma mesa - foram recambiadas para a loja do porco. A um canto, quatro cadeiras de espaldar castanho acolhiam as visitas, depois de terem sido limpas com uma mistura de azeite e vinagre. Numa delas, a um canto, o Chico-polícia dormitava, mãos espessas, cheias de cortes, dedos toscos. Amigo de carteira da escola, guardião da vida toda, estava ali para o velar, como um cachorro. Outros entravam e saíam, na desobriga. Aspergiam o morto de água benta, murmuravam um pai-nosso, davam uma palavrinha de sentimentos à viúva e filhos que quase não cabiam na salinha amontoada. Os homens entravam e saíam direitos ao varandim onde o falecido era exposto todos os domingos. E aí acendiam cigarros como velas. As mulheres enrolavam os xailes e ficavam mais um bocado, numa cantilena de rosário, interrompida aqui e ali pelos gritos da viúva. O negrume de mulheres sós, lenços pretos, a confraria da viuvez definitiva, mesmo as que tinham trinta anos.

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