domingo, dezembro 31, 2006
ùteros tranparentes
Os úteros grávidos são violados com máquinas imagiográficas e aparelhos tecnológicos (incluindo sondas com máquinas de filmar)que os reduzem a um aquário, a corpos esventrados numa trasnparêancia de entranhas dissecadas, retiradas do contextto de uma PESSOA - corpo vivo e habitado de sentir - reduzidos a fragmentos de sentidos do vivido, reduzido á condição de objecto - o aquário, o receptáculo, a incubadora - violadas até que apenas prevaleça a imagem fabricada em Photoshop de um embrião de dois milímetros e só essa - o seu dono, o seu inquilino, o ser sagrado que detem os direitos todos e perante o qual elas, pessoas, deixam de o ser.
sábado, dezembro 23, 2006
Natal
Menina de nove anos é mãe mais jovem do Peru
02/12/2006
19h12-Uma menina de nove anos deu à luz um menino neste sábado, num hospital público de Lima. A gravidez foi fruto de um estupro. A informação foi divulgada pelo ministro peruano de Saúde, Carlos Vallejos.
O bebê nasceu com 2,520 kg e 47 cm e apresenta dificuldades respiratórias. Ele permanecerá na UTI até alcançar saúde adequada para idade. A mãe precoce receberá ajuda psicológica e seu filho terá toda assistência de que precisar', ressaltou o ministro Vallejos, após visitá-la. "Ela permanecerá no hospital todo o tempo que for necessário até que seu filho e ela estejam em perfeitas condições", declarou.
A garota foi vítima de abuso sexual de um primo de 29 anos. O caso comoveu o Peru, quando sua gestação foi revelada em setembro passado, tornando-a a mãe mais jovem do país. A menina tinha apenas oito anos de idade, media 1,20 cm quendo foi alvo de violação e abusos sexuais repetidos por jovens de 26 anos, seus familiares.
Nesa zona do peru extremamente pobre , as violações e gravidezes de meninas são frequentes - as meninas ficam mais expostas á violência por causa da pobreza absoluta das funções que são obrigadas a cumprir desde muito novinhas: nas plantações ou no pasto, com os animais. Em geral, elas estão sozinhas ou, quando muito, acompanhadas por outras meninas iguais a elas.
No caso de NVT, a gravidez foi confirmada depois de confessado a violação e depois da menina se queixar de dores intensas.. Num país extremamente católico e conservador como o Peru, ninguém considerou a hipótese de um aborto, ainda que a gestação não estivesse num estado tão avançado.
Na nicarágua, um caso semelhante originou reacções radicais.
02/12/2006
19h12-Uma menina de nove anos deu à luz um menino neste sábado, num hospital público de Lima. A gravidez foi fruto de um estupro. A informação foi divulgada pelo ministro peruano de Saúde, Carlos Vallejos.
O bebê nasceu com 2,520 kg e 47 cm e apresenta dificuldades respiratórias. Ele permanecerá na UTI até alcançar saúde adequada para idade. A mãe precoce receberá ajuda psicológica e seu filho terá toda assistência de que precisar', ressaltou o ministro Vallejos, após visitá-la. "Ela permanecerá no hospital todo o tempo que for necessário até que seu filho e ela estejam em perfeitas condições", declarou.
A garota foi vítima de abuso sexual de um primo de 29 anos. O caso comoveu o Peru, quando sua gestação foi revelada em setembro passado, tornando-a a mãe mais jovem do país. A menina tinha apenas oito anos de idade, media 1,20 cm quendo foi alvo de violação e abusos sexuais repetidos por jovens de 26 anos, seus familiares.
Nesa zona do peru extremamente pobre , as violações e gravidezes de meninas são frequentes - as meninas ficam mais expostas á violência por causa da pobreza absoluta das funções que são obrigadas a cumprir desde muito novinhas: nas plantações ou no pasto, com os animais. Em geral, elas estão sozinhas ou, quando muito, acompanhadas por outras meninas iguais a elas.
No caso de NVT, a gravidez foi confirmada depois de confessado a violação e depois da menina se queixar de dores intensas.. Num país extremamente católico e conservador como o Peru, ninguém considerou a hipótese de um aborto, ainda que a gestação não estivesse num estado tão avançado.
Na nicarágua, um caso semelhante originou reacções radicais.
sexta-feira, dezembro 22, 2006
De passagem
O que me irrita é estes opinion makers da moral a metro, que nada sabem do medo, nem da dor dos outros...
Mas pra condenar e julgar, lá estão, hirtos, na primeiríssima fila.
Amén.
Mas pra condenar e julgar, lá estão, hirtos, na primeiríssima fila.
Amén.
quarta-feira, dezembro 20, 2006
domingo, dezembro 17, 2006
Ùteros transparentes
No dia em que deu entrada na unidade fiquei nua de sentimentos perante aquela mulher. Uma mistura de raiva profunda ( mas quem foi o monstro que te fez isto??) compaixão e perplexidade.
Era uma criança num corpo de mulher. O diagnóstico referia uma oligogrenia profunda, próxima daquilo que os manuais clássicos de psiquiatria classificariam de imbecilidade, associada a alterações do comportamento.
Para nós passou a ser a menina. Um rosto disforme, uma grave deformação física associada a um retardo mental profundo e irreversível. Tão profundo que praticamente não falava (não fala). Monossílabos simples, sim não, comida, “nina”, e um léxico considerável de coprolália para expressar dor ou desconforto. De vez em quando podia autoagredir-se. Sobretudo quando a gravidez que motivou o internamento se tornou mais evidente e ela não conseguia lidar com o desconforto inexplicável daquele peso horrível na barriga, as pernas inchadas, as dores ocasionais.
Chegou ao serviço em estado de gravidez avançada. Tão avançada que finalmente (e só então), se tinha tornado evidente a situação para o meio de pertença. Tão avançada que a hipótese de aborto terapêutico estava completamente posta de lado.
Para nós tratou-se de fazer diariamente a gestão de uma gravidez medicamente vigiada com eventuais alterações comportamentais que pusessem em risco a mulher e o feto. Em cada consulta obstétrica de rotina a forte sedação era obrigatória. A higiene pessoal, a alimentação, a segurança, a comunicação eram prioridades face a uma doente mental gestante altamente dependente. Higiene oral, o pentear os cabelos, os cuidados básicos com o corpo, a alimentação, tudo, mas mesmo tudo teve de ser prestado, /organizado, com paciência e persistência… E o internamento hospitalar até ao momento do parto tornou-se absolutamente obrigatório.
Oferecemos-lhe uma boneca com que passava os dias a brincar, tentámos explicar-lhe que trazia uma espécie de boneca dentro da barriga.Inutilmente,. Um olhar apagado e infantil fitava-nos ás vezes, numa perplexidade muda. Quando o desconforto era insuportável punha-se em posição fetal e bamboleava-se longamente agarrada á barriga. Curiosamente começou a chamar “mamã” a alguém da unidade.
A partir daí passou a ser oficialmente “ a menina" e passeava muitas vezes nos corredores de mãos dadas com “ a mamã”.
sábado, dezembro 16, 2006
“Do outro lado, não há hesitações de espécie nenhuma: a ICAR, por exemplo, promove um concurso de arte infantil sobre a vida intra-uterina denominado "A minha primeira morada". Reparem bem: morada. A metáfora imobiliária é claríssima: o útero não é da mulher, o útero é do inquilino (o feto) e/ou do proprietário - o estado, a Igreja, a sociedade.Pela parte que me toca não cedo um milímetro. Continuo feminista - isto é, alguém que acredita que a igualdade plena entre os sexos é uma questão de civilização; e continuo radicalmente liberal - alguém que acredita que, apesar do determinismo social, devemos pugnar pela autonomia e dignidade plenas das Pessoas.”
Miguel Vale de Almeida
sexta-feira, dezembro 15, 2006
Prémio nobel da economia
ò mãe, explica lá , se no natal todas as pessoas dão prendas aos meninos pobres, porque é que continua a haver meninos pobres todos os natais???
Momento Zen
Ruborizadas pelo frio, cachecóis às cores e risos que tilintam na tarde, tropecei nelas nas escadas, três miúdas com dois caixotes carregados de bonecas a escapulirem-se de casa em direcção ao jardim.
- Ei meninas, onde vão com tantas bonecas?
- Deixa mãe, as nossas bonecas vão fazer uma visita de estudo ao parque.
Okey, já cá faltava o argumento pedagógico.
- Ei meninas, onde vão com tantas bonecas?
- Deixa mãe, as nossas bonecas vão fazer uma visita de estudo ao parque.
Okey, já cá faltava o argumento pedagógico.
Deus, Pátria e Família
A tia adelaide na televisão, faz um tratado político sobre os valores da família tradicionais e explica porque chegou aos 94 anos:
“nam fui á escola, nunca . Fui trabalhar para o campo com oito anos, guardar umas vacas”(…)Passei muita fome, muito trabalho, muita porrada do pai da minha filha. (..)
Nasceu-me a filha e ele disse – se fosse um filho era meu , é uma filha , não é minha é dos teus amásios ....só vivi com ele quatro anos, depois ele enforcou-se, ainda bem”.
“nam fui á escola, nunca . Fui trabalhar para o campo com oito anos, guardar umas vacas”(…)Passei muita fome, muito trabalho, muita porrada do pai da minha filha. (..)
Nasceu-me a filha e ele disse – se fosse um filho era meu , é uma filha , não é minha é dos teus amásios ....só vivi com ele quatro anos, depois ele enforcou-se, ainda bem”.
Alguma coisa está a mudar em Portugal para que as mulheres deixem apenas de ser alvo de perseguições judiciais para passarem a ser responsáveis pela investigação criminal .
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Úteros transparentes
Durante milénios o útero foi um lugar obscuro e enigmático, cerne das mais bizarras patologias, explicadas por uma misteriosa conexão entre um útero instável ou faminto e os comportamentos / estados emocionais que se diziam ser estritamente femininos.
Apesar de sempre ter havido homens histéricos ( com transtornos conversivos e dissociativos) a histeria foi relacionada pela medicina clássica como uma doença de mulheres, uma doença do útero ( a raiz etimológica do termo indicia o conceito).
Esta imagética da mulher de entranhas ávidas e obscuras, regida pela lua ( e por isso aluada ou mesmo alumbrada), com ciclos de fertilidade animais e capacidade insaciável de desejo erótico, foi parcialmente sublimada pela construção de uma mitologia e iconografia da maternidade redentora.
A maternidade – e só ela – redime amulher desta animalidade atávica e misteriosa que germina no seu útero doentio – assim purificado e reduzido à sua função essencial que é também a função essencial identificadora de qualquer mulher – a reprodução.
Ou virgem e puta, ou mãe redimida e redentora.
domingo, dezembro 10, 2006
As vozes que só a alma escuta
Imagem de MRI do cérebro de uma pessoa sofrendo alucinações auditivas e visuais. As áreas em laranja e vermelho representam as partes do cérebro mais activadas.
As alucinações auditivas, particularmente sob a forma de “vozes” são um sintoma muito característico de perturbação psiquiátrica grave (nomeadamente quadros de esquizofrenia). Excluindo-se outras hipóteses de diagnóstico diferencial, a presença deste tipo de “percepção sem objecto” está relacionada com este quadro psiquiátrico.
Por definição, uma alucinação deste tipo é percepcionada pelo sujeito como sendo exterior a si mesmo e constitui, para o sujeito, uma realidade indesmentível, completamente indistinta de outras realidades sensoriais.
Durante milénios as alucinações auditivas (ouvir uma voz ou várias vozes que comentam, dão ordens , insultam ou fazem revelações proféticas) era em primeiro lugar um fenómeno estritamente subjectivo, sem hipótese de verificação física ou biológica por parte do observador, que originava depois uma infinitude de interpretações sociais.
Hoje, as bases biológicas da alucinação ainda estão por explicar, mas são reveladas em imagens .
As alucinações auditivas, particularmente sob a forma de “vozes” são um sintoma muito característico de perturbação psiquiátrica grave (nomeadamente quadros de esquizofrenia). Excluindo-se outras hipóteses de diagnóstico diferencial, a presença deste tipo de “percepção sem objecto” está relacionada com este quadro psiquiátrico.
Por definição, uma alucinação deste tipo é percepcionada pelo sujeito como sendo exterior a si mesmo e constitui, para o sujeito, uma realidade indesmentível, completamente indistinta de outras realidades sensoriais.
Durante milénios as alucinações auditivas (ouvir uma voz ou várias vozes que comentam, dão ordens , insultam ou fazem revelações proféticas) era em primeiro lugar um fenómeno estritamente subjectivo, sem hipótese de verificação física ou biológica por parte do observador, que originava depois uma infinitude de interpretações sociais.
Hoje, as bases biológicas da alucinação ainda estão por explicar, mas são reveladas em imagens .
sábado, dezembro 09, 2006
quinta-feira, dezembro 07, 2006
O medo
O país mudou. Os portugueses mudaram. Felizmente já não somos um povo vestido de escuro porque os lutos eram eternos e porque o escuro, sobretudo aquele maldito cinzento, BI da nossa pobreza, ficava bem com tudo, servia para todas as estações e não dava nas vistas. Tudo - ou quase - mudou mas o retrato das mulheres não. É certo que podemos exercer todas as profissões e cargos. Quanto às profissões exercêmo-las. Quanto aos cargos vamos indo. Claro que podemos estudar o que quisermos. E não só estudamos como estudamos mais do que os homens. Mas lá no fundo, debaixo do verniz sobre a igualdade e as questões de género, mantém-se vivo aquele medo profundo e ancestral perante esse corpo excessivamente poderoso que é o das mulheres.A gravidez é o reverso positivo e exterior duma moeda onde constam matérias mais inquietantes como a menstruação ou a menopausa. Expressões modernas como «tratamentos de compensação» - aplicadas à menopausa - ou o popular «limparam-na», usado como sinónimo da histerectomia, confirmam como se mantém latente essa concepção das mulheres como um corpo não só desequilibrado mas também conspícuo e imprevisível.
Se a maternidade é aquilo que redime as mulheres dessa espécie de poder biológico excessivo, o aborto é aquilo que o reforça.Nestas coisas não mudámos muito.
Sobre a feiticeira estendemos o perfil doce da Virgem grávida. Mas a feiticeira continua lá. Sobre os corpos domesticados a regimes e ginásticas continua subjacente o espectro da megera.
E ao menor pretexto esses fantasmas de sempre voltam a assombrar-nos os dias. Se se reparar a discussão sobre a interrupção voluntária da gravidez é, em Portugal, uma discussão sobre o poder das mulheres. O debate em torno do aborto é exclusivamente sobre se o aborto pode ser feito 'a pedido da mulher'. ..
Helena Matos PÚBLICO, 2 de Dezembro
terça-feira, dezembro 05, 2006
Cérebro e palavras - a alma visível
Esculpir o corpo é desvendar a alma
O corpo humano é habitado de muitas formas.
Ron Mueck, reinventou o conceito de escultura e devolve-nos o reflexo da nossa humanidade. Aqui ficam algumas das mais belas escultura da última exposição.
segunda-feira, dezembro 04, 2006
Negligências
As mulheres cujo peso é muito abaixo do normal antes de engravidarem têm 72 % mais de hipóteses de sofrer um aborto nos primeiros três meses, sugere um novo estudo.
Ora cá está. Mais um comportamento negligente, fútil e irresponsável das tontinhas das mulheres que aumenta a incidência de aborto.
Que tal criminalizar a magreza feminina ?
Hoje vai falar-se um pouco de Esclerose Múltipla. Doença degenerativa do SNC, é em Portugal , a segunda causa de incapacidade de adultos jovens.
Alterações da visão e da fala, paralisia parcial ou completa de alguma parte do corpo, tremor das mãos, perturbações do equilíbrio, perda de sensibilidade com frequência e continuidade, fadiga extrema. Estes são os principais sintomas da EM, que se vão agravando com o tempo e podem conduzir uma progressiva e irreversível deterioração do estado físico, das relações sociais, da mobilidade, autonomia e qualidade de vida.
Agora as boas notícias :
1 - O diagnóstico e intervenção terapêutica precoces (que terão de ser multidisciplinares) assim como o apoio de novas propostas terapêuticas e até das tecnologias de informação trazem uma esperança efectiva, não em termos de de cura , mas de manutenção da qualidade de vida ( um jargão médico que significa bem-estar e felicidade) a estes jovens doentes. A coragem , o apoio médico eficaz, o empenho amoroso das famílias é a chave fulcral desta “luta diária” que só quem é doente conhece intimamente.
2 - Uma das esperanças de cura efectiva está na pesquisa em células estaminais.
Alterações da visão e da fala, paralisia parcial ou completa de alguma parte do corpo, tremor das mãos, perturbações do equilíbrio, perda de sensibilidade com frequência e continuidade, fadiga extrema. Estes são os principais sintomas da EM, que se vão agravando com o tempo e podem conduzir uma progressiva e irreversível deterioração do estado físico, das relações sociais, da mobilidade, autonomia e qualidade de vida.
Agora as boas notícias :
1 - O diagnóstico e intervenção terapêutica precoces (que terão de ser multidisciplinares) assim como o apoio de novas propostas terapêuticas e até das tecnologias de informação trazem uma esperança efectiva, não em termos de de cura , mas de manutenção da qualidade de vida ( um jargão médico que significa bem-estar e felicidade) a estes jovens doentes. A coragem , o apoio médico eficaz, o empenho amoroso das famílias é a chave fulcral desta “luta diária” que só quem é doente conhece intimamente.
2 - Uma das esperanças de cura efectiva está na pesquisa em células estaminais.
quinta-feira, novembro 30, 2006
Tonterias e consensos
A Mafalda, continua nervosíssima com a citação do Juíz do Tribunal Constitucional Dr.Paulo Mota Pinto que coloquei ( linkei) neste meu singelo blogue.
E, com a coerência a que já nos habituou, a Mafalda resolveu assumir que:
“O que o Dr. Paulo Mota Pinto diz no que transcreve já nós dissemos neste blogue (...) ” .
Ou seja, a Mafalda concorda com o Dr Paulo Mota Pinto relativamente a esta consideração muito específica, por mim citada.
Acontece que também eu.
Afinal há mesmo consensos.
E, com a coerência a que já nos habituou, a Mafalda resolveu assumir que:
“O que o Dr. Paulo Mota Pinto diz no que transcreve já nós dissemos neste blogue (...) ” .
Ou seja, a Mafalda concorda com o Dr Paulo Mota Pinto relativamente a esta consideração muito específica, por mim citada.
Acontece que também eu.
Afinal há mesmo consensos.
quarta-feira, novembro 29, 2006
Quase
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá-Carneiro
Pueril
Os intocáveis
A propósito da sua investigação antropológica sobre as castas de intocáveis, na índia, Rosa Maria Perez alertava para a nossas próprias categorias antropológicas de castas e intocáveis, nas sociedades ocidentais.
Dito de outras forma, quando estamos imersos num determinado referente cultural aceitamos como “natural” e definitivo, como algo de evidente e inquestionável um conjunto de representações sociais, modelos comportamentais e papéis prédefinidos que são interiorizados e incorporados como uma segunda pele sem que um juízo crítico de autoreflexividade permita destrinçar o que é verdadeiramente o EU e o que é circunstância cultural ou contingência.
Cada vez mais vivemos numa sociedade rigidamente estratificada, aglutinada em pequenas tribos impermeáveis, com pouquíssima interpenetração ou diálogo fusional com outras realidades ou outros grupos de pessoas.
O Outro é cada vez mais o estranho, o alien, percepcionado como alienado da realidade que nos é oferecida e que fazemos nossa, e julgamos única, última, verdadeira, sem que uma ponte ou uma ligeira interrogação nos faça intuir que o outro também é pessoa.. Há cada vez mais intocáveis, numa lógica de distanciamento do outro e de manutenção de territórios físicos, ideológicos, estéticos, políticos.
Cada grupo social elege a sua própria casta de intocáveis.
terça-feira, novembro 28, 2006
Felizmente há consensos
Extractos De um voto de vencido No Acórdão do Tribunal Constitucional :
(...)“aceito, porém, “a tese de que esta protecção "( da vida intrauterina) "não tem que assumir as mesmas formas nem o mesmo grau de densificação da exigida para o direito à vida subjectivado em cada pessoa, bem como a tese de que tal protecção se pode e deve ir adensando ao longo do período de gestação.
Aceito, ainda, que, quando se verifique estarem outros direitos constitucionalmente protegidos em conflito com a vida intra-uterina, se possa e deva proceder a uma tentativa de optimização, não sendo esta possibilidade vedada por qualquer escala hierárquica de valores constitucionais ...."
(...)“aceito, porém, “a tese de que esta protecção "( da vida intrauterina) "não tem que assumir as mesmas formas nem o mesmo grau de densificação da exigida para o direito à vida subjectivado em cada pessoa, bem como a tese de que tal protecção se pode e deve ir adensando ao longo do período de gestação.
Aceito, ainda, que, quando se verifique estarem outros direitos constitucionalmente protegidos em conflito com a vida intra-uterina, se possa e deva proceder a uma tentativa de optimização, não sendo esta possibilidade vedada por qualquer escala hierárquica de valores constitucionais ...."
segunda-feira, novembro 27, 2006
Os eunucos e as mulheres
A Mulher não pode dispor do seu corpo. grávido . apregoam.
E se em vez de uma mulher fosse um homem?
Se lhe crescesse um feto no escroto contra a sua vontade?
Como seriam os discursos sociais e religiosos sobre o aborto se os homens engravidassem?
E se em vez de uma mulher fosse um homem?
Se lhe crescesse um feto no escroto contra a sua vontade?
Como seriam os discursos sociais e religiosos sobre o aborto se os homens engravidassem?
Os Eunucos e as mulheres
A deliciosa vanda escreveu brilhantemente sobre os eunucos. E bem:
“O eunuco reprimido, na sua retracção maligna, apenas concebe o feminino sob dois prismas : a puta ou a virgem. Não se pense, por contaminação das técnicas de propaganda inauguradas pelo Concílio Vaticano II, que tal prisma foi recolocado nalguma benignidade revitalizadora. Basta ler os hediondos textos de João Paulo II sobre o assunto, para perceber-se que a maquilhagem e linguagem dúbia do sedutor desvitalizado apenas se modernizou. É aliás para isso que têm servido os concílios, e pouco mais.
(...) Contrapor a morte à vida, e afirmar-se como a favor de uma em detrimento de outra – é mutilação da própria vida, ou melhor, da consciência que cada qual pode ir desenvolvendo acerca de si enquanto ser vivo. Para a morte, pois claro, e a ressurreição, como sabeis ou devieis saber, não a anula, antes a implica, e o resto são cantigas de maus berços.”
“O eunuco reprimido, na sua retracção maligna, apenas concebe o feminino sob dois prismas : a puta ou a virgem. Não se pense, por contaminação das técnicas de propaganda inauguradas pelo Concílio Vaticano II, que tal prisma foi recolocado nalguma benignidade revitalizadora. Basta ler os hediondos textos de João Paulo II sobre o assunto, para perceber-se que a maquilhagem e linguagem dúbia do sedutor desvitalizado apenas se modernizou. É aliás para isso que têm servido os concílios, e pouco mais.
(...) Contrapor a morte à vida, e afirmar-se como a favor de uma em detrimento de outra – é mutilação da própria vida, ou melhor, da consciência que cada qual pode ir desenvolvendo acerca de si enquanto ser vivo. Para a morte, pois claro, e a ressurreição, como sabeis ou devieis saber, não a anula, antes a implica, e o resto são cantigas de maus berços.”
domingo, novembro 26, 2006
Da morte e da vida
Este belíssimo texto foi escrito por uma bela mulher. Porque a morte existe, mas a respiração do nosso sentir não morre , aqui fica a minha homenagem:
“Nunca quis um vestido a sério, pareciam-lhe sempre esbranquiçados pela força do uso e costume social. Em vez de alvura virgem via neles trapos desenhados para conter as infiltrações do amor. As infiltrações são sempre exteriores, pensava, a guerra bacteriológica que é passear um amor pelas ruas, avenidas, países, horas e anos sem que este seja contaminado. O cansaço. Depois ele oferecia-lhe um pirilampo cortado rente na erva que o segurava, uma luz trémula e assustada, à beira do ataque cardíaco, repousava-lhe nas mãos durante uns minutos e apagava os candeeiros, a lua, a chuva, os relâmpagos. Amar é estar no palco, pensava, o foco sempre dirigido aos nossos passos, a insegurança de falhar perante uma plateia onde todos têm a nossa cara. Quando é que é ensaio e quando é que o espectáculo já começou? Quanto dura a temporada? Será itinerante?”
Cláudia
sábado, novembro 25, 2006
As dores das mulheres
As dores de parto e ao acto de parir , foram até há pouco tempo as experiências mais trágicas porque passavam as mulheres. SEM contracepçã0o eficaz e sem assistência médica , o risco de mortalidade mulheres era tão elevado ( e ainda continua a ser e países em que as mulheres não têm cuidados médicos) que a esperança média de vida das mulheres não ultrapassava os quarenta anos.
Para além do risco de vida, das mutilações provocadas por partos violentos, ( como fístulas e lesões permanentes), havia o próprio processo de parto em si, prolongado ( ás vezes durante dias) no meio de dores excruciantes. Não havia qualquer tipo de anestesia e todas das manobras obstétricas eram realizadas assim, mesmo as cesarianas .
A experiência e dor das mulheres foi objecto de muitos discursos ideológicos e sobretudo religiosos. Quando surgiram as primeiras tentativas mais ou menos eficazes de controlar a dor do parto , as reacções não se fizeram esperar.
Em 1847, James Young Simpson, um professor de obstetrícia de Glasgow, ao verificar as suas propriedades analgésicas e anestésicas começou a usar o clorofórmio para aliviar as dores de parto.
O clero e a autoridades religiosas opuseram-se afincadamente.
Uma imposição bíblica e a própria vontade de deus estavam a ser postas em causa quando se diminuía a dor as mulheres. Em última análises para além de violação de princípios éticos, a degradação da sociedade era uma consequência evidente...
“O clorofórmio é uma armadilha de Satanás, oferecendo-se aparentemente para glorificar as mulheres; quando , isso vai embrutecer a sociedade e roubar de Deus os mais profundos e ardentes clamores que surgirão em momentos de dificuldades, pedindo ajuda.”
Outra “suspeita “sobre o uso do clorofórmio foi imediatamente avançada – a ideia de que teria propriedades afrodisíacas nas parturientes.
Ao ler o que actualmente se escreve sobre as mulheres e o seu corpo grávido, não posso deixar de pensar que muito pouco mudou.
terça-feira, novembro 21, 2006
Ceausescu
Por detrás o defensores do Não há todo um projecto ideológico e jurídico penal que pode sintetizar-se num desejo - a vontade de alterar a Constituição e a Lei no sentido de conseguir a equiparação jurídica do embrião á Pessoa Humana.
Actualmente, no nosso ordenamento jurídico ( e em todo os ordenamentos jurídico do planeta inteiro), nenhuma ordem jurídica atribui tal equiparação em termos de conceptualização, definição ontológica ou estatuto jurídico ou direitos de personalidade.
Nenhuma.
Muito menos a nossa.
Mas estes ideólogos prisionais querem claramente uma alteração jurídico constitucional nesse sentido. O que pretendem objectivamente falando é criminalizar todos os tipo de interrupção da Gravidez, de contracepção ou de técnicas de PMA e impôr a obrigatoriedade das todas as mulheres em idade fértil cumprirem obrigatoriamente as suas funções de parideiras. ( A legislação vigente na Roménia de Ceausescu é um bom exemplo das consequências jurídicas destas concepções.)
Querem impor a sua particular visão moral a toda a comunidade, através da alteração (ou reinterpretação abusiva) de normas jurídicas fundamentais, como a Constituição da República. Mesmo quando a consciência ético jurídica dominante dessa comunidade aponta no sentido oposto.
Penso que as ditaduras funcionam assim…
Mas será útil que no debate que se avizinha que estas motivações sejam postas a nu.
Actualmente, no nosso ordenamento jurídico ( e em todo os ordenamentos jurídico do planeta inteiro), nenhuma ordem jurídica atribui tal equiparação em termos de conceptualização, definição ontológica ou estatuto jurídico ou direitos de personalidade.
Nenhuma.
Muito menos a nossa.
Mas estes ideólogos prisionais querem claramente uma alteração jurídico constitucional nesse sentido. O que pretendem objectivamente falando é criminalizar todos os tipo de interrupção da Gravidez, de contracepção ou de técnicas de PMA e impôr a obrigatoriedade das todas as mulheres em idade fértil cumprirem obrigatoriamente as suas funções de parideiras. ( A legislação vigente na Roménia de Ceausescu é um bom exemplo das consequências jurídicas destas concepções.)
Querem impor a sua particular visão moral a toda a comunidade, através da alteração (ou reinterpretação abusiva) de normas jurídicas fundamentais, como a Constituição da República. Mesmo quando a consciência ético jurídica dominante dessa comunidade aponta no sentido oposto.
Penso que as ditaduras funcionam assim…
Mas será útil que no debate que se avizinha que estas motivações sejam postas a nu.
marketing e ética
Ao contrário do que tinha exigido há uns dias atrás, em que exigia a marcação do referendo o mais rápido possível, o PP quer o referendo apenas em Março.
Ou seja, já que não se pode referendar durante o natal ( isso é que era um golpe de marketing, suspiram alguns amigos..) então apostemos na Páscoa… Férias, espírito religioso, abstenção… Tem tudo a ver.Além disso as empresas de marketing precisam de tempo e financiamento para fazer boas campanhas eleitorais… «
Ou seja, já que não se pode referendar durante o natal ( isso é que era um golpe de marketing, suspiram alguns amigos..) então apostemos na Páscoa… Férias, espírito religioso, abstenção… Tem tudo a ver.Além disso as empresas de marketing precisam de tempo e financiamento para fazer boas campanhas eleitorais… «
domingo, novembro 19, 2006
Na foto - Idoso com seis semanas
O spam funciona como ruído na identificação e selecção de mensagens realmente importantes.
É cansativo fazer a filtragem.
É assim para o mail , é assim nas caixas de comentários, e é assim em certos debates.
A maioria das intervenções são spam- puro ruído , falsidades, cavalos de tróia para vírus.
Alguns utilizam facciosamente o discurso metajurídico para fazer prevalecer a sua ideologia.
Outros o insulto barato. Outros brandem a religiosidade primária ou o discurso justicialista. Outros a ideologia de extrema direita, o racismo e a misoginia mais pura.
O SPAM aí está no seu esplendor.
Parece que é uma inevitabilidade.
So há uma coisa a fazer. DELETE.
sábado, novembro 18, 2006
O PODER DO $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$
"Uma campanha «moderna, moderada, inovadora e profissional» é o que promete a plataforma que irá congregar os movimentos pelo ‘não’.
Tão moderna que está a cargo da empresa Partners, a mesma que fez a nova campanha do BPI."
Quem a financia?
Tão moderna que está a cargo da empresa Partners, a mesma que fez a nova campanha do BPI."
Quem a financia?
sexta-feira, novembro 17, 2006
Encontrou-o a rondar no adro da Igreja. Meio encolhido, vagueava em círculos, um pouco á toa, talvez em busca de algum abrigo para a chuva, nas arcadas.
A mulher não se conteve:
- Procura alguém? Precisa de ajuda? Uns olhos azuis fitaram-na. Um súbito rubor , um sotaque eslavo, o homem ergue a mão para a Igreja:
- Precisar da ajuda d’Ele.
( Nessa noite Igor arranjou uma casa de abrigo para não dormir ao relento. E iniciou o seu processo de integração numa nova comunidade, através de uma organização católica.Com uma voz belíssima e formação musical, apesar de ortodoxo, faz questão em cantar no coro da Igreja onde acha que Deus o escutou.
Esta história é verídica e ao ouvir o seu relato em primeira mão pensei: quando escutamos verdadeiramente os outros, podemos ser o Deus que os escuta..
Foto - Imigrantes ilegais em centro de acolhimento, espanha.
Alguns acham que as mulheres não têm direito ao útero que é seu.
Mas que os homens que as inseminam têm todo o direito ao útero delas.
Afirmam mesmo que nenhuma mulher deve poder fazer um aborto sem autorização do macho inseminador ( mesmo que seja o violador, como é óbvio).
Para esses, a pergunta do referendo só poderia ter uma redacção.
Esta.
Mas que os homens que as inseminam têm todo o direito ao útero delas.
Afirmam mesmo que nenhuma mulher deve poder fazer um aborto sem autorização do macho inseminador ( mesmo que seja o violador, como é óbvio).
Para esses, a pergunta do referendo só poderia ter uma redacção.
Esta.
quarta-feira, novembro 15, 2006
TRibunal Constitucional
No Acórdão nº 85/85, explicitou-se que :
1 - “ entende-se que a vida intra-uterina compartilha da protecção que a Constituição confere à vida humana enquanto bem constitucionalmente protegido (isto é, valor constitucional objectivo), mas que não pode gozar da protecção constitucional do direito à vida propriamente dito que só cabe a pessoas - podendo portanto aquele ter de ceder, quando em conflito com direitos fundamentais ou com outros valores constitucionalmente protegidos.
2 - “ A vida intra-uterina não é constitucionalmente irrelevante ou indiferente, sendo antes um bem constitucionalmente protegido, compartilhando da protecção conferida em geral à vida humana enquanto bem constitucional objectivo (Constituição, artigo 24.º, n.º 1). Todavia, só as pessoas podem ser titulares de direitos fundamentais pois não há direitos fundamentais sem sujeito -, pelo que o regime constitucional de protecção especial do direito à vida, como um dos «direitos, liberdades e garantias pessoais», não vale directamente e de pleno para a vida intra-uterina e para os nascituros.
É este um dado simultaneamente biológico e cultural, que o direito não pode desconhecer e que nenhuma hipostasiação de um suposto «direito a nascer» pode ignorar: qualquer que seja a sua natureza, seja qual for o momento em que a vida principia, a verdade é que o feto (ainda) não é uma pessoa, um homem, não podendo por isso ser directamente titular de direitos fundamentais enquanto tais.
A protecção que é devida ao direito de cada homem à sua vida não é aplicável directamente, nem no mesmo plano, à vida pré-natal, intra-uterina.
Esta distinção é de primacial importância, sobretudo no que respeita a conflitos com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Sendo difícil conceber que possa haver qualquer outro direito que, em colisão com o direito á vida, possa justificar o sacrifício deste, já são configuráveis hipóteses, em que o bem constitucionalmente protegido que é a vida pré-natal, enquanto valor objectivo, tenha de ceder em caso de conflito, não apenas com outros valores ou bens constitucionais, mas sobretudo com certos direitos fundamentais (designadamente os direitos da mulher à vida, à saúde, ao bom nome e reputação, à dignidade, à maternidade consciente, etc
1 - “ entende-se que a vida intra-uterina compartilha da protecção que a Constituição confere à vida humana enquanto bem constitucionalmente protegido (isto é, valor constitucional objectivo), mas que não pode gozar da protecção constitucional do direito à vida propriamente dito que só cabe a pessoas - podendo portanto aquele ter de ceder, quando em conflito com direitos fundamentais ou com outros valores constitucionalmente protegidos.
2 - “ A vida intra-uterina não é constitucionalmente irrelevante ou indiferente, sendo antes um bem constitucionalmente protegido, compartilhando da protecção conferida em geral à vida humana enquanto bem constitucional objectivo (Constituição, artigo 24.º, n.º 1). Todavia, só as pessoas podem ser titulares de direitos fundamentais pois não há direitos fundamentais sem sujeito -, pelo que o regime constitucional de protecção especial do direito à vida, como um dos «direitos, liberdades e garantias pessoais», não vale directamente e de pleno para a vida intra-uterina e para os nascituros.
É este um dado simultaneamente biológico e cultural, que o direito não pode desconhecer e que nenhuma hipostasiação de um suposto «direito a nascer» pode ignorar: qualquer que seja a sua natureza, seja qual for o momento em que a vida principia, a verdade é que o feto (ainda) não é uma pessoa, um homem, não podendo por isso ser directamente titular de direitos fundamentais enquanto tais.
A protecção que é devida ao direito de cada homem à sua vida não é aplicável directamente, nem no mesmo plano, à vida pré-natal, intra-uterina.
Esta distinção é de primacial importância, sobretudo no que respeita a conflitos com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Sendo difícil conceber que possa haver qualquer outro direito que, em colisão com o direito á vida, possa justificar o sacrifício deste, já são configuráveis hipóteses, em que o bem constitucionalmente protegido que é a vida pré-natal, enquanto valor objectivo, tenha de ceder em caso de conflito, não apenas com outros valores ou bens constitucionais, mas sobretudo com certos direitos fundamentais (designadamente os direitos da mulher à vida, à saúde, ao bom nome e reputação, à dignidade, à maternidade consciente, etc
terça-feira, novembro 14, 2006
Solidão
Luís de Camões, numa frase simples, escreveu a mais radical definição de solidão:
“É solitário andar por entre a gente”.
Na turba que se move, por entre a gente que nos acotovela e invade,
atravessando a mole humana que fervilha de inquietação e bulício,
podemos andar completamente sós,
mais que sozinhos, solitários,
habitados por uma solidão sem rosto que ninguém pode tocar.
Estar solitário é este vazio de gentes em nós.
Curiosamente o poeta descreve esta solidão primordial como um sintoma da paixão.
O que é verdade.
Nunca estamos tão radicalmente sós como quando amamos.
Ou deixamos de amar.
sexta-feira, novembro 10, 2006
A contracepção eficaz reduz o aborto
Num Blogue do Não:
“Mas o estudo aborda também a relação entre a contracepção e o aborto, concluindo que a mudança para a contracepção moderna por parte das mulheres que usam contracepção tradicional (15% em média) e que não usam qualquer contracepção (9% em média) reduziria o aborto, em média, em 57%.
Mesmo abstraindo-nos da grandeza dos números, torna-se evidente que a aposta na informação e disponibilização de contracepção tem um impacto directo na redução do aborto”
De facto :
“Generally, there is a clear relationship between abortion and use of traditional contraceptive methods: the greater the ratio of traditional methods to all methods used, the higher the level of abortion (figure 4). A simulation using data from Armenia, Azerbaijan, Georgia, Kazakhstan, the Kyrgyz Republic, Romania, Russia, Turkmenistan, Ukraine and Uzbekistan showed that if women using traditional methods (an average of 15 per cent of all women of reproductive age) were to switch to modern methods of contraception, which have low failure rates, abortion rates could be reduced by an average of 24 per cent. If women with an unmet need for any contraception (about nine per cent of all women) were to adopt modern contraception, abortion rates would be reduced by an average of 33 per cent. Thus, abortion rates could be reduced by as much as 57 per cent on average if both traditional method users as well as women with an unmet need for family planning were to become users of modern methods (Westoff, 2003)."
Ora parece que finalmente estamos todos de acordo, mesmo as organizações que têm feito campanhas contra a pílula e o preservativo ou abaixo assinados contra a Educação Sexual nas escolas.
Só falta que a Igreja Católica venha defender em público a contracepção eficaz em vez de métodos contraceptivos falíveis e a disponibilização de Meios contraceptivos como a pílula e o preservativo como forma de prevenir o aborto. Por uma questão de coerência.
“Mas o estudo aborda também a relação entre a contracepção e o aborto, concluindo que a mudança para a contracepção moderna por parte das mulheres que usam contracepção tradicional (15% em média) e que não usam qualquer contracepção (9% em média) reduziria o aborto, em média, em 57%.
Mesmo abstraindo-nos da grandeza dos números, torna-se evidente que a aposta na informação e disponibilização de contracepção tem um impacto directo na redução do aborto”
De facto :
“Generally, there is a clear relationship between abortion and use of traditional contraceptive methods: the greater the ratio of traditional methods to all methods used, the higher the level of abortion (figure 4). A simulation using data from Armenia, Azerbaijan, Georgia, Kazakhstan, the Kyrgyz Republic, Romania, Russia, Turkmenistan, Ukraine and Uzbekistan showed that if women using traditional methods (an average of 15 per cent of all women of reproductive age) were to switch to modern methods of contraception, which have low failure rates, abortion rates could be reduced by an average of 24 per cent. If women with an unmet need for any contraception (about nine per cent of all women) were to adopt modern contraception, abortion rates would be reduced by an average of 33 per cent. Thus, abortion rates could be reduced by as much as 57 per cent on average if both traditional method users as well as women with an unmet need for family planning were to become users of modern methods (Westoff, 2003)."
Ora parece que finalmente estamos todos de acordo, mesmo as organizações que têm feito campanhas contra a pílula e o preservativo ou abaixo assinados contra a Educação Sexual nas escolas.
Só falta que a Igreja Católica venha defender em público a contracepção eficaz em vez de métodos contraceptivos falíveis e a disponibilização de Meios contraceptivos como a pílula e o preservativo como forma de prevenir o aborto. Por uma questão de coerência.
quinta-feira, novembro 09, 2006
quarta-feira, novembro 08, 2006
terça-feira, novembro 07, 2006
Pela Vida
Numa semana morreram vinte pessoas nas estradas portuguesas.
É uma epidemia silenciosa acolhida com uma indiferença extraordinária.
Se tivessem morrido vinte pessoas de uma qualquer outra doença - como uma meningite ou uma gripe - o alarmismo nacional teria um tom de histeria colectiva.
As pessoas adoptariam medidas preventivas provavelmente exageradas para reduzir ao máximo o risco de serem afectadas.
Como é possível que face a tanta morte inútil na estrada haja um sentimento geral de indiferença e aceitação?
É uma epidemia silenciosa acolhida com uma indiferença extraordinária.
Se tivessem morrido vinte pessoas de uma qualquer outra doença - como uma meningite ou uma gripe - o alarmismo nacional teria um tom de histeria colectiva.
As pessoas adoptariam medidas preventivas provavelmente exageradas para reduzir ao máximo o risco de serem afectadas.
Como é possível que face a tanta morte inútil na estrada haja um sentimento geral de indiferença e aceitação?
Não há dúvida.
Os gatos estão cada vez mais deliciosos e cáusticos.
A entrevista ao Dr Alberto João Jardim foi um dos momentos hilariantes da minha semana.
E que dizer da frase – “na minha barriga manda o dr gentil martins?”
Os gatos estão cada vez mais deliciosos e cáusticos.
A entrevista ao Dr Alberto João Jardim foi um dos momentos hilariantes da minha semana.
E que dizer da frase – “na minha barriga manda o dr gentil martins?”
segunda-feira, novembro 06, 2006
O século XXI será um século de catástrofes globais associadas a grandes alterações climáticas. Há continentes inteiros sujeitos a fragilidades ecológicas.
Fenómenos de deslocação em massa de pessoas relacionados com alterações ambientais já estão a acontecer. Fogem da seca extrema e da desertificação progressiva .
São os refugiados das alterações climáticas.
sábado, novembro 04, 2006
Morte das Mulheres
"Os mais velhos associavam aquela a outras mortes ( de mulheres pelos seus coompanheiros)de que vão tendo conhecimento pela comunicação social: "Isto é assim, uns é a tiro, outros à facada, não me admira nada", opinava um idoso, sentado no varandim da escada a menos de um metro do sítio onde se encontrava a poça de sangue (o local onde a vítima foi atingida)."
sexta-feira, novembro 03, 2006
O Parto, para além dos riscos de morte materna, pode ser uma experiência traumática e aterradora de dor sem sentido. Mesmo com apoio médico especializado, o “trabalho de parto”, o parto e o pósparto, é antes de mais uma vivência íntima, uma vivência relacional e visceral entre a mulher e o seu bebé.
Entre a pura animalidade do trabalho de parto e o trabalho psicológico/emocional de se tornar mãe, cujo impacto se prolonga durante meses ( e ás vezes a vida inteira), há contributos novos quanto á humanização do parto.
Com recurso á tecnologia e ao suporte médico, controlando activamente a dor física , mas colocando novamente as mulheres no centro das decisões.
Entre a pura animalidade do trabalho de parto e o trabalho psicológico/emocional de se tornar mãe, cujo impacto se prolonga durante meses ( e ás vezes a vida inteira), há contributos novos quanto á humanização do parto.
Com recurso á tecnologia e ao suporte médico, controlando activamente a dor física , mas colocando novamente as mulheres no centro das decisões.
quinta-feira, novembro 02, 2006
Eu não gosto de coprolália. Muito menos da sua utilização brejeira sempre que se fala em mulheres , sexualidade feminina ou controle da fecundidade feminina.
POrque é que os discursos sobre os corpos das mulheres e sobre a fertilidade desembocam obrigatoriamente em termos grosseiros?
Duas explicações: o medo e a frustração.
Há muitos homens mal amados. São os que mais usam a expressão foder.
Como diria o Miguel Esteves Cardoso, o amor é fodido, e eu acrescento, sobretudo quando se anda mal fodido.Talvez porque a "f. " mais abjecta tem em si a sede do amor e a oportunidade do mistério.
E as mulheres estão aí, nesse centro de tudo, onde os homens se perdem e se encontram.Talvez por isso haja tanto medo das mulheres e do seu corpo e da sua vontade e do seu infinito poder. O poder do amor e da vida.
Um velha história, não é?
quarta-feira, novembro 01, 2006
Tenho evitado escrever sobre cancro da mama.
Uma pessoa da minha família, que me é muito próxima, tem sobrevivido ao cancro e á mastectomia mutiladora há cinco anos. Não fez reconstrução mamária, por receio de mais sofrimento físico. A cicatriz do tronco transformou-se agora numa linha pouco visível, mas a mutilação de um corpo não cicatriza na alma.
Estas pequnas linhas nada dizem do percurso de solidão intensa, Coragem , apego á vida e dor visceral de quem vive com cancro.
São quase obscenas de tão simplistas.
Esta semana, num relatório de TAC de rotina li – dois nódulos no pulmão esquerdo, a localização precisa e o diâmetro. Cinco anos de luta.
Repete o Tac dia 3.
Uma pessoa da minha família, que me é muito próxima, tem sobrevivido ao cancro e á mastectomia mutiladora há cinco anos. Não fez reconstrução mamária, por receio de mais sofrimento físico. A cicatriz do tronco transformou-se agora numa linha pouco visível, mas a mutilação de um corpo não cicatriza na alma.
Estas pequnas linhas nada dizem do percurso de solidão intensa, Coragem , apego á vida e dor visceral de quem vive com cancro.
São quase obscenas de tão simplistas.
Esta semana, num relatório de TAC de rotina li – dois nódulos no pulmão esquerdo, a localização precisa e o diâmetro. Cinco anos de luta.
Repete o Tac dia 3.
No hospital, a minha tia jaz numa letargia comatosa depois de um extenso AVC.
Era uma mulher sólida e simples, de alegrias fáceis e pequenas garridices. Estive esta tarde com ela, na certeza absoluta de que não só não me reconheceu, como não identificou o meu toque , ou a a minha voz.
A morte é uma questão de tempos imprecisos .
Há que aproveitar o tempo que nos é oferecido.
terça-feira, outubro 31, 2006
Se as palavras que um cristão tem para dizer, continuamente, é que se vive numa cultura de morte é porque vive de olhos fechados para a vida.
MC, no Jardim de Luz
MC, no Jardim de Luz
segunda-feira, outubro 30, 2006
Referendo
Porque será que quem tem posições fáceis e certezas definitivas relativamente a esta questão são:
a) Homens
b) Mulheres sem filhos ou em idade em que já não podem engravidar.
Tenho observado em silêncio e questionado este padrão.
Onde está a linguagem da humanidade, a que somos obrigados?
a) Homens
b) Mulheres sem filhos ou em idade em que já não podem engravidar.
Tenho observado em silêncio e questionado este padrão.
Onde está a linguagem da humanidade, a que somos obrigados?
Momento zen do dia
terça-feira, outubro 24, 2006
Razões do Não
Por lapso imperdoável confundi o blogue Razões do Não com o outros blogues do Não.
Passe embora a proximidade da linguagem e dos objectivos, há que distinguir veementemente o Blogue da Manuel, que pretende um debate sereno, de outros blogues subscritos por "camisas negras" e neofascistas onde o terrorismo é lei.
Aqui ficam as minhas desculpas ao manuel
e a sugestão de que escolha....
outro nome?
Passe embora a proximidade da linguagem e dos objectivos, há que distinguir veementemente o Blogue da Manuel, que pretende um debate sereno, de outros blogues subscritos por "camisas negras" e neofascistas onde o terrorismo é lei.
Aqui ficam as minhas desculpas ao manuel
e a sugestão de que escolha....
outro nome?
Bastonário da Ordem dos Médicos
"Se os médicos de família não estivessem tão assoberbados com tanto trabalho burocrática teriam muito mais tempo para fazer educação para a saúde. Para dar informação aos doentes.
Para a OM não é claro, antes pelo contrário, que a vida se inicie no momento da fecundação.
E portanto há formas eficazes de actuação, como a contracepção de emergência, conhecida como a pílula do dia seguinte.
O debate sobre o referendo não deve passar pela defesa da vida, mas manter-se estritamente legal. ."
Excelente entrevista no Público, amavelmente divulgada pelos Padres Inquietos.
Da Vida e da Mulher
Quinhentas mil mulheres morrem todos os anos devido a complicações durante a gravidez ou parto, a maioria das quais vive nos países mais pobres do planeta, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Em África, uma em cada vinte mulheres morre devido a complicações durante a gravidez ou parto.
Salvar-se-iam mais vidas se as mulheres tivessem acesso a um planeamento familiar voluntário para que os nascimentos sejam suficientemente espaçados, se tivessem assistência de agentesde saúde qualificados e cuidados obstétricos de emergência .
A morte de uma mãe antes ou durante o parto é uma tragédia humana a nível individual, familiar e da sociedade em geral. A probabilidade de sobrevivência do recém-nascido e também dos outros filhos diminui muito quando a mãe morre".
Em África, uma em cada vinte mulheres morre devido a complicações durante a gravidez ou parto.
Salvar-se-iam mais vidas se as mulheres tivessem acesso a um planeamento familiar voluntário para que os nascimentos sejam suficientemente espaçados, se tivessem assistência de agentesde saúde qualificados e cuidados obstétricos de emergência .
A morte de uma mãe antes ou durante o parto é uma tragédia humana a nível individual, familiar e da sociedade em geral. A probabilidade de sobrevivência do recém-nascido e também dos outros filhos diminui muito quando a mãe morre".
segunda-feira, outubro 23, 2006
"O Manuel iniciou um blogue em que defende as penas de prisão até três anos para as mulheres que abortam até ás 10 semanas e já tem publicidade em sites tradicionalistas e nacionalistas ( (um eufemismo para neonazis).
Chama-se blogue do Não.
Quadro de Paula Rego
Consequências do simplismo
A propósito da biblioteca de Hitler, pejada de obras pseudo-científicas e de ocultismo, JPP
considera que :
“Esta sub-literatura, afim das teorias da conspiração actuais, era lida por pessoas que não tinham muita formação e escolaridade, mas que queriam ter a "ciência" do seu lado, uma "ciência" que não precisava de ser muito complexa e era uma projecção da sua vontade e ideias sobre sociedade e cultura.”
Não posso deixar de reflectir que esta análise se aplica integralmente às “justificações científicas” que alguns invocam para fundamentar ideologias de género com repercussões no Direito Penal.
Fotografia - Crianças judias no campo de Birkenau
.
sexta-feira, outubro 20, 2006
A verdade é perene
"Vejo a frescura de ideias da Anabela Mota Ribeiro, o gesto heróico da Catarina Portas a informar-nos de que já tinha abortado e “tá a ver, deveria estar presa!” e pergunto-me se é com esta insustentável ligeireza que as meninas acham que arrastam consciências.
E o senhor bispo de Viseu, que acaba de descobrir o holocausto, o padre João Seabra, autoproclamado “pároco do povo da Madragoa” que, sobre o direito a abortar das mães portadoras de bebés deficientes, prefere falar da “deficiência das gravidezes programadas dos casais pós-modernos”!
O que sabem eles do que falam? Que valor ético pode ter o seu testemunho? Quem os poderá tomar como exemplo, escutar-lhes o sermão, aplaudir as suas fundas “convicções”?
Um dia, quando for mentalmente crescida, a Catarina Portas há-de envergonhar-se da sua patética proclamação. Um dia, quando perceber que, no mundo de hoje – onde é tão fácil e tão tentador não ter filhos –, o verdadeiro heroísmo não está na bravata pública de se anunciar abortante e militante, mas sim no orgulho silencioso de ter dado vida e condições de vida a outros.
Um dia, quando for capaz de um exercício cristão de humildade, o padre João Seabra há-de arrepender-se da desumanidade que representa o seu discurso ex-cátedra.
Em boa verdade, e já que estamos em época de proclamações grandiloquentes, eu também faço a minha: deste referendo só deveriam ser admitidos a votar os que tiveram filhos. São os únicos que sabem do que estão a falar. São os únicos que têm um termo de comparação."
Miguel Sousa Tavares, Público, 26/6/98
E o senhor bispo de Viseu, que acaba de descobrir o holocausto, o padre João Seabra, autoproclamado “pároco do povo da Madragoa” que, sobre o direito a abortar das mães portadoras de bebés deficientes, prefere falar da “deficiência das gravidezes programadas dos casais pós-modernos”!
O que sabem eles do que falam? Que valor ético pode ter o seu testemunho? Quem os poderá tomar como exemplo, escutar-lhes o sermão, aplaudir as suas fundas “convicções”?
Um dia, quando for mentalmente crescida, a Catarina Portas há-de envergonhar-se da sua patética proclamação. Um dia, quando perceber que, no mundo de hoje – onde é tão fácil e tão tentador não ter filhos –, o verdadeiro heroísmo não está na bravata pública de se anunciar abortante e militante, mas sim no orgulho silencioso de ter dado vida e condições de vida a outros.
Um dia, quando for capaz de um exercício cristão de humildade, o padre João Seabra há-de arrepender-se da desumanidade que representa o seu discurso ex-cátedra.
Em boa verdade, e já que estamos em época de proclamações grandiloquentes, eu também faço a minha: deste referendo só deveriam ser admitidos a votar os que tiveram filhos. São os únicos que sabem do que estão a falar. São os únicos que têm um termo de comparação."
Miguel Sousa Tavares, Público, 26/6/98
É possível?
É possível (...) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante?
É possível que se tenha tido milénios para olhar, reflectir e anotar
e que se tenha deixado passar os milénios como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã?
Sim, é possível.
É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da filosofia, se tenha ficado na superfície da vida?
É possível que até se tenha coberto essa superfície - que, apesar de tudo, seria qualquer coisa - com um pano incrivelmente aborrecido, de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de Verão?
Sim, é possível.
(...) É possível que nada se saiba das raparigas que, no entanto, vivem?
É possível que se diga «as mulheres», «as crianças», «os rapazes» e não se faça a mínima ideia (apesar de toda a cultura não se faça a mínima ideia) de que há muito que estas palavras não têm plural, mas apenas inúmeros singulares? Sim, é possível. "
Rainer Maria Rilke, in 'As Anotações de Malte Lauridis Brigge'
Momento Zen
Violência infantil:
"E se me chateias, obrigo-te a comer as bolachinhas da Floribela!!!!!
"E se me chateias, obrigo-te a comer as bolachinhas da Floribela!!!!!
terça-feira, outubro 17, 2006
O medo vai ter tudo
O medo vai ter tudo
pernas ambulâncias
e o luxo blindado de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chãono teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários(assim assim)
escriturários(muitos)
intelectuais(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Alexandre O'Neill
(...)
(1) O Poema Pouco Original do Medo, in " Abandono Vigiado", 1960
Bateu á porta, num intervalo das aulas da tarde. Por norma, o meu gabinete está sempre disponível para os alunos, mesmo fora das horas de atendimento. Alegou uma dificuldade na bibliografia.
Mas depois, desasbafou que queria falar comigo por causa de uma matéria da última aula. SEntou-se nervosamente , começou a falar. O que me disse aquela jovem mulher de olhos sereníssimos, durante mais de duas horas, deixou-me a alma a sangrar.
Pensa-se muitas vezes que a violência contra as mulheres só sucede em famílias disfuncionais, classes baixas, pessoas com dificuldades económicas. Mas uma jovem pode ser alvo das brutalidades mais indizívesi se tiver o azar ou o acaso de começar a namorar muito cedo com um indivíduo perturbado. A história desta menina era isso mesmo - um namoro precoce com um indivíduo mais velho, de boas famílias e um certo contexto social que apoiava o envolvimento.
E eis uma menina bem, com uma família amorosa e estável a passar em silêncio pelas barbaridades mais abjectas que envolviam a agressão física e s exual, às mão do namorado bem comportadinho ...
Arrastou a situação durante dois anos até que um dia se apercebeu que estava grávida. E aí o horror tomou conta dela, num súbito despertar. SE ele descobrisse, se a família descobrisse , era obrigada a casar por pressão social. Definitivamente ficaria presa àquele violentador o resto da vida.
E de repente , contou-me ela, isso deu-lhe forças inimagináveis. O horror que sentia pela gravidez indesejada era tanta que pensou seriamente no suicídio. E subitamente, no meio daquele abismo descobriu nela mesma uma vontade radical de sobreviver e de se libertar.
SEm ajuda de ninguém nem pais, nem namorado, recorreu ao aborto clandestino. Pediu dinheiro emprestado a uma amorosa avó que pensava que estava a financiar uma compra mais exuberante. Abortou sozinha, com uma colega de turma que a acompanhou de taxi.
Nunca se sentiu tão liberta como nesse dia, confidenciou-me.
Tão segura que nunca, mas mesmo nunca permitiria que ninguém mais lhe fizesse mal.
Terminou com o namorado por telefone, ante o escãndalo dos pais por renunciar um rapaz tão educado e com um futuro invejável.
Está convicta duma coisa - se ele sonhasse sequer com aquela gravidez incipiente haveria de persegui-la sem descanso.
Felizmente que nesse ano entrou para a faculdade, mudou de cidade, de amigos.
Ele desinteressou-se subitamente por ela, como um brinquedo gasto. Ela agradeceu.
Tem agora um namorado doce a atento que a ajudou a reconstruir-se por dentro.
"Ainda bem que abortei," disse-me ela. "SE não fosse isso, não teria sobrevivido".
Mas depois, desasbafou que queria falar comigo por causa de uma matéria da última aula. SEntou-se nervosamente , começou a falar. O que me disse aquela jovem mulher de olhos sereníssimos, durante mais de duas horas, deixou-me a alma a sangrar.
Pensa-se muitas vezes que a violência contra as mulheres só sucede em famílias disfuncionais, classes baixas, pessoas com dificuldades económicas. Mas uma jovem pode ser alvo das brutalidades mais indizívesi se tiver o azar ou o acaso de começar a namorar muito cedo com um indivíduo perturbado. A história desta menina era isso mesmo - um namoro precoce com um indivíduo mais velho, de boas famílias e um certo contexto social que apoiava o envolvimento.
E eis uma menina bem, com uma família amorosa e estável a passar em silêncio pelas barbaridades mais abjectas que envolviam a agressão física e s exual, às mão do namorado bem comportadinho ...
Arrastou a situação durante dois anos até que um dia se apercebeu que estava grávida. E aí o horror tomou conta dela, num súbito despertar. SE ele descobrisse, se a família descobrisse , era obrigada a casar por pressão social. Definitivamente ficaria presa àquele violentador o resto da vida.
E de repente , contou-me ela, isso deu-lhe forças inimagináveis. O horror que sentia pela gravidez indesejada era tanta que pensou seriamente no suicídio. E subitamente, no meio daquele abismo descobriu nela mesma uma vontade radical de sobreviver e de se libertar.
SEm ajuda de ninguém nem pais, nem namorado, recorreu ao aborto clandestino. Pediu dinheiro emprestado a uma amorosa avó que pensava que estava a financiar uma compra mais exuberante. Abortou sozinha, com uma colega de turma que a acompanhou de taxi.
Nunca se sentiu tão liberta como nesse dia, confidenciou-me.
Tão segura que nunca, mas mesmo nunca permitiria que ninguém mais lhe fizesse mal.
Terminou com o namorado por telefone, ante o escãndalo dos pais por renunciar um rapaz tão educado e com um futuro invejável.
Está convicta duma coisa - se ele sonhasse sequer com aquela gravidez incipiente haveria de persegui-la sem descanso.
Felizmente que nesse ano entrou para a faculdade, mudou de cidade, de amigos.
Ele desinteressou-se subitamente por ela, como um brinquedo gasto. Ela agradeceu.
Tem agora um namorado doce a atento que a ajudou a reconstruir-se por dentro.
"Ainda bem que abortei," disse-me ela. "SE não fosse isso, não teria sobrevivido".
segunda-feira, outubro 16, 2006
Dez reis de esperança
Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos á boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,viram,
e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
António Gedeão
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos á boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,viram,
e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
António Gedeão
Decência e Liberdade
" O debate sobre o referendo ao aborto, em Portugal, está a tomar alguns contornos bizarros. (....) Tanto dum lado como do outro há regras de decência e linguagem que devem pautar os discursos, na apresentação honesta de argumentos e razões pró ou contra. "
António Rego
António Rego
domingo, outubro 15, 2006
Pasmaceira vigiada
Abrupto, no seu melhor:
"Por último, há uma razão muito simples, que ninguém quer admitir, e que tem a ver com a permanência nos valores mentais, nos hábitos da nossa democracia, dos quadros do Portugal de Salazar. Valores como o "respeitinho", a hipocrisia pública, a retórica antipolítica, a tentação de considerar que o suprapartidário é bom, a obsessão pelo "consenso", o medo da controvérsia, a cunha e a clientela, mesmo a corrupção pequena, a falta de espírito crítico desde as artes e letras até à imprensa e Igreja, tudo vem do quadro do salazarismo e reprodu-lo. O medo do conflito, essa tenebrosa herança de 48 anos de censura, permanece embrenhado na vida política da democracia e isso dá vida à nostalgia da pasmaceira vigiada de Salazar."
sábado, outubro 14, 2006
Os novos Inquisidores
"Na sua versão moderna, o dogma exprime-se assim: "Se tu emites uma opinião acerca dos factos da vida com a qual eu não concordo, tu não podes ser senão uma pessoa moralmente desprezível, e portanto uma má pessoa". Os seus defensores partem então daqui para a promoção do insulto, da chacota, do ostracismo social, do ódio e do assassínio de carácter, provavelmente porque, por enquanto, ainda não podem assassinar mais nada."
Pedro Arroja no Blasfémias
António Marto "chocado" com Fátima
Não é o único.
Uma cidade feia, sem critérios urbanísticos, um santuário de gosto duvidoso, a proliferação da negociata fácil e do comércio Kitsh.
Mas, face á pertinente indignação do Bipo, a pergunta que fica no ar é esta – Igreja é isenta de culpas? Ou a "fabricação " de Fátima, em termos urbanos deu-se á revelia e sem o incentivo da Igreja?
quarta-feira, outubro 11, 2006
As novas tecnologias da informação, sobretudo as experiências de comunicação através da Internet trouxeram uma verdadeira revolução nos modelos e paradigmas clássicos da comunicação humana. A principal característica da comunicação através da rede é que se realiza num sistema de realidade virtual. Castells (2000) define realidade virtual como um sistema simbólico em que a própria realidade (ou seja, a existência física, material e simbólica das pessoas) é completamente absorvida e imersa num cenário de imagem virtual, num mundo de faz de conta, em que a realidade percepcionada não está apenas no ecran de computador, através do qual a experiência é comunicada, mas se transforma na própria experiência em si mesma. Outra das características do novo sistema de comunicação baseada na digitalização electrónica (Internet) e na integração em rede de múltiplos modos de comunicação, é a sua radical inclusividade, inteligibilidade e capacidade para integrar todas as formas de expressão humanas – culturais, científicas, políticas, do conhecimento, etc.
terça-feira, outubro 10, 2006
Pró-Vida
O suicídio é a causa de morte de aproximadamente um milhão de pessoas, no mundo, todos os anos. Trata-se de um importante problema de saúde pública, sendo ainda a principal causa de mortalidade entre os adolescentes e adultos jovens.
Até ao fim deste post, haverá pelo menos uma pessoa que pôs intencionalmente termo á sua própria vida.
As doenças mentais, particularmente a depressão e abuso de substâncias, estão associados a mais de 90% de todos os casos de suicídio. Contudo, este resulta de vários factores socioculturais complexos e ocorre, sobretudo, durante períodos em que se registam situações de crise a nível socioeconómico, familiar e individual.
Identificar os sinais de alerta, diagnosticar e tratar a doença mental , dar apoio eficaz ás pessoas com comportamento suicidários, são algumas das linhas de prevenção do suicídio.
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