"Vejo a frescura de ideias da Anabela Mota Ribeiro, o gesto heróico da Catarina Portas a informar-nos de que já tinha abortado e “tá a ver, deveria estar presa!” e pergunto-me se é com esta insustentável ligeireza que as meninas acham que arrastam consciências.
E o senhor bispo de Viseu, que acaba de descobrir o holocausto, o padre João Seabra, autoproclamado “pároco do povo da Madragoa” que, sobre o direito a abortar das mães portadoras de bebés deficientes, prefere falar da “deficiência das gravidezes programadas dos casais pós-modernos”!
O que sabem eles do que falam? Que valor ético pode ter o seu testemunho? Quem os poderá tomar como exemplo, escutar-lhes o sermão, aplaudir as suas fundas “convicções”?
Um dia, quando for mentalmente crescida, a Catarina Portas há-de envergonhar-se da sua patética proclamação. Um dia, quando perceber que, no mundo de hoje – onde é tão fácil e tão tentador não ter filhos –, o verdadeiro heroísmo não está na bravata pública de se anunciar abortante e militante, mas sim no orgulho silencioso de ter dado vida e condições de vida a outros.
Um dia, quando for capaz de um exercício cristão de humildade, o padre João Seabra há-de arrepender-se da desumanidade que representa o seu discurso ex-cátedra.
Em boa verdade, e já que estamos em época de proclamações grandiloquentes, eu também faço a minha: deste referendo só deveriam ser admitidos a votar os que tiveram filhos. São os únicos que sabem do que estão a falar. São os únicos que têm um termo de comparação."
Miguel Sousa Tavares, Público, 26/6/98
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