domingo, outubro 08, 2006

Cartoon 3 - Os hipócritas



O debate sobre a despenalização do aborto ainda não começou e já se agitam algumas tendências.
Os que defendem a manutenção da pena de prisão até três anos para mulheres que voluntariamente abortam em fases muito iniciais da gravidez, usam agora uma roupa mais fresca, mais clean, mistura de morangos com açúcar e jovem devota do bloco de esquerda convertida recentemente ao movimento comunhão e libertação, com um toque de tia dondoca da linha em versão soft.
Tudo para a populaça, coitados, uns incultos, ou melhor, uns pobrezinhos, compreenderem a importância do não. As Bibis,as XaXás, as Pittás e outras que tais, aparecem organizadamente a defender os pretensos direitos das mulheres, sobretudo o direito inalienável de lhes ser reconhecido definitivamente a supremacia moral do estatuto de parideiras oficiais. Isso lhes basta. Falam do direito à maternidade e até , deliciosamente, do direito à escolha e de coisas igualmente fashion-clinic como o Homeschooling, o regresso ao papel da fada do lar por amor às lides domésticas, o dever de parir dez ou vinte rebentos - de preferência um em cada ano, que isto da taxa de natalidade E DA CRISE DA SEGURANÇA SOCIAL é o que se sabe, e defendem com afinco as piquenas das pobezinhas das empregadas e assim... que coitadinhas sofrem horrores com essa coisa do aborto, sobretudo o famoso síndrome pós-aborto. Claro que muitas dessas pobezinhas também sofrem gravíssimos síndromes post–parto, depressões durante a gravidez, depressões post- parto e até psicoses puerperais Não lhes ocorre sequer pensar que as vulnerabilidades sociais associadas a oscilações biológicas e hormonais expliquem mais certos síndromes do que o castigo pelo pecado ou a culpa induzida a posteriori por movimentos religiosos.
Esquecem-se ainda que os traumas psicológicos e emocionais (além dos risco para a saúde e vida da mulher) relacionados com o aborto podem ter várias explicações, uma das quais são as condições obscenas em que se pratica, na clandestinidade e da violência que isso representa para as mulheres mais desprotegidas, "que experimentam no seu corpo um procedimento cruel e degradante".

Claro que as Babás, as Lilis, as XaXás , as Bebés e as Xuxus, também já abortaram. Ou pelo menos conhecem de certezinha uma amiga intima, uma filha ou uma irmã ou uma tia que abortaram e que elas acompanharem discretamente às clínicas in, seguríssimas e assépticas onde foram realizar uma piquena intervenção, sob anestesia e sem trauma, hemorragias ou perfurações intrauterinas. Se houvesse estatísticas fidedignas, sobre a distribuição de IVG por grupos sociais em Portugal a surpresa seria imensa.
Mas as Babás, as Lilis, as XaXás , as Bebés e as Xuxus só recorrem ao aborto por motivos nobres e cleans, que nada têm a ver com essas porcas dessas abortadeiras * que andam por aí a gritar que a barriga é delas e que, se não houver uma lei com pena de prisão, hão de pôr-se em filas ás portas dos hospitais para abortar.

* - linguagem comunmente utilizada pelos defensores da pena de prisão.

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