quinta-feira, julho 30, 2009

Contos exemplares - a puérpera benevolente

Na sala de audiências, o calor apodera-se dos espíritos tanto como dos corpos. O ar condicionado engasga-se e agoniza num estertor fininho, expelindo uma frescura pífia que rapidamente se dissolve na atmosfera pesada. Um fio de suor escorre pela testa do advogado oficioso e é represado pelos óculos, encavalitados no nariz adunco. O arguido, pequeno e franzino, guarda os seus vinte e sete anos num corpo de não mais de quinze.
Traz uma camisola preta e justa, que se lhe cola às costelas e, na parte descoberta do pescoço, adivinha-se-lhe um fio de uma malha grossa que parece de prata. Desfila as misérias com um ar compungido, como se o simples facto de existir fosse culpa do destino. Ensaia um ar choroso, e os olhos raiados de sangue, pelo álcool e a estroinice, ficam de repente aguados. A rigidez dos maxilares estreitos trai uma determinação que teima em esconder e que substitui por tremuras de bicho assustado, daqueles de meter no bolso e levar para casa. "

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