"Nas Filipinas, a população vive refém da toda-poderosa ICAR, que faz lobbying e ameaça governantes para impedir qualquer política de planeamento familiar que contrarie os éditos de Roma. Em Manila, cognominada a “primeira cidade pró-vida” do mundo, o anterior presidente da Câmara, sob a influência da Igreja, proibiu em 2000 a distribuição de pílulas e preservativos nos centros de planeamento familiar (que só podem aconselhar “métodos naturais” de controlo da natalidade, como o método das temperaturas e a abstinência nos períodos férteis), conduzindo rusgas para encontrar e destruir preservativos.
Oito anos depois de os contraceptivos terem sido banidos, e apesar de entretanto a cidade ter outro presidente, a proibição continua a vigorar, tornando impossível às mulheres, especialmente as mais pobres, obtê-los. Num país onde há anualmente, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 800 mil abortos clandestinos (uma das taxas mais altas na Ásia), e onde 70% das gravidezes não desejadas acabam em aborto, segundo o Pro-Life Philippines (um grupo anti-aborto), as ONGs são obrigadas a distribuir contraceptivos de forma clandestina às famílias pobres.
Mas para o antigo presidente da Câmara e actual secretário de Estado do Ambiente, Jose Lito Atienza, os defensores do planeamento familiar são meras “vítimas da lavagem cerebral” do Ocidente, gabando-se de ter conseguido, com a proibição, ensinar às “inocentes e ignorantes” mulheres de Manila os “verdadeiros valores da família nas Filipinas”. Em Setembro deste ano, apelou à rejeição de uma lei que visa garantir o acesso das famílias a métodos de controlo da natalidade (e não prevê a legalização do aborto), afirmando que, se o diploma for aprovado, conduzirá à “falência moral” do país.
Fala a uma voz com a ICAR, que continua a considerar a pílula e o preservativo como “métodos abortivos” e classifica a lei de “dizimadora das famílias”. O arcebispo Paciano Aniceto, que preside a Comissão para a Família e a Vida na mui influente “Catholic Bishop’s Conference in the Philippines”, apuda os que querem garantir o acesso a métodos de controlo de natalidade de “propagandistas da cultura de morte”. A Lei que prevê o acesso das famílias a contraceptivos tem sido bloqueada pela ICAR, que tem tentado por todos os meios ao seu alcance impedir a aprovação do diploma.
Testemunho das devastadores políticas de Atienza e da ICAR em Manila, e monumento maior da política deste devoto católico, é o “Haven for Angels” (Paraíso para anjos), um cemitério criado por ele e a mulher para enterrar os fetos abortados que se encontram a pontapé pelas ruas da cidade. No documentário da BBC de 2003, “Sex and the Holy City”, citado pela Palmira, Atienza gabava-se de enterrar e baptizar “os fetos encontrados nas ruas, no lixo (…), nos passeios da cidade, não reclamados pelas suas irresponsáveis mães” - as mesmas a quem é negado qualquer acesso a meios de controlo da natalidade.
Um grupo de 19 mulheres (incluindo uma católica com sete filhos) apresentou no início deste ano uma acção judicial contra o Estado filipino, alegando que os casais têm o direito de planear quantos filhos querem ter de acordo com as suas convicções, e que a proibição viola a Constituição e as convenções internacionais. De acordo com uma sondagem de 2007 da organização Catholics for Choice, 77% dos filipinos são a favor do uso do preservativo no combate à SIDA, e 90 % dizem que votariam num candidato que apoiasse a introdução de meios modernos de controlo da natalidade, segundo um inquérito de 2007 do “Legislators’ Committee for Population and Development”, um orgão filipino.
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