Micaela trabalha na padaria todos os dias das sete horas até ao fim da tarde.
Chega muito branca, escanzelada do frio da madrugada, na mota que comprou a prestações.
De pescoço longilíneo, veste a bata às riscas cor-de-rosa e brancas, ata o avental e o barretinho cirúrgico dos aspirantes a pasteleiros.
Tem um rosto muito estranho, do queixo afunilado, o maxilar superior deixa antever os incisivos amarelados. Sorri muito com as piadas do rapaz que trata das misturas da farinha.
Micaela adora trabalhar.
Sai de casa todos os dias com a mesma alegria com que as miúdas mais novas planeiam uma ida à discoteca.
Antes de saír penteia rigorosamente o cabelo fino castanho-claro com um risco-ao-meio que lhe divide o crânio em dois hemisférios absolutamente simétricos.
Micaela nunca usou baton porque lhe deforma ainda mais a boca e faz sobressair o amarelo dos dentes. Todo o dia Micaela amassa, carrega, limpa o chão, faz trocos em moedas pequeninas, embrulha pães e biscoitos, numa algaraviada de garridice que lhe escorre pelo avental às riscas. Côr-de-rosa e brancas.
De vez em quando, perto do forno, os braços enormes do rapaz que trata das misturas da farinha, roçam-lhe o dorso. Micaela arrepia-se de alegria e uma súbita quentura avermelha-lhe o pescoço alto.
Nessas alturas sonha que vai concorrer ao Dr White e chegar à padaria vestida de princesa e com um sorriso mais coruscante que o Paulo Portas depois do último branqueamento dentário.
Sem comentários:
Enviar um comentário