domingo, fevereiro 12, 2012

Luz

Os dias são mais belos do que as noites. È simples de se dizer.
Durante toda a tarde a mulher reinventou o jardim no meio do cimento dos prédios. Varreu o pátio , regou rosas e girassóis, poliu pequenos pratos metálicos, esfregou  o chão, lustrou as plantas de plástico num alguidar azul com detergente. Durante toda a tarde o seu dorso flutuou sobre o jardim artificial encaixado entreparedes de um bairro alfacinha e sempre que  parecia que a mulher ia finalmente descansar e sentar-se na cadeira de plástico para saborear o sol, as flores, ou a vista sobre os pátios vizinhos, ei-la que encontrava um motivo qualquer para recomeçar - uma nódoa, um bocado de pó, uma haste seca que era preciso cortar.
 Os dias são mais belos do que as noites. È simples de se dizer.
E enquanto a luz do dia aquecia as gargantas das rosas, a mulher não se sentou, numa afanosa labuta contra o caos acinzentado do jardim possível. Quando por fim  se poisou na cadeira e ergueu os olhos , já a noite acontecia.
Foi então que lhe vi o rosto - desfigurado com um hemangioma gigantesco que lhe esfacelava a face.
As noites são mais belas do que os dias.

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