segunda-feira, novembro 03, 2008

Defuntos

No dia em que festejavam o dia dos meus anos eu era feliz e ninguém estava morto.
Ontem lembrei-me dos meus mortos. Tenho a felicidade de ter uma colecção muito pequena de mortos, os avós, algumas tias velhíssimas, um padrinho, uma amiga que me morreu aos 16 anos.
Dos meus mortos descobri mais tarde coisas inimagináveis, por exemplo, descobri que a minha avó dançava muito bem num velho filme do casamentos dos meus pais. Descobri muitas outras coisas - como os gestos encantatórios da minha tia a pentear o cabelo negro ou a fazer uma radiosa trança nas manhãs de domingo, como um ritual; ou o meu avô a chorar sozinho no quarto, assolado não sei porque fantasmas; sobre a amiga que me morreu, nunca se soube se de asfixia acidental se de suicídio, fiquei a perceber que talvez não houvesse mesmo grandes caminhos para ela e que os sonhos que a esperavam estavam noutro lado.
Lembro-me que no dia em que ela morreu eu vinha do liceu para casa e tive uma súbita necessidade de lhe falar. É daquelas coisas estranhas - às vezes um rosto amigo assoma-nos à memória de uma forma muito intensa e pensamos que temos recados súbitos e conversas para dizer.
Não tivemos. Quendo cheguei a casa a minha mãe esperava-me muito aflita. A paula tinha morrido durante a noite, asfixiada.
Os meus mortos estão agora muito vivos, muito próximos, onde quer que estejam encontraram a luz final do seu verdadeiro rosto, uns dançam pela eternidade, outros penteiam os longos cabelos, outros choram lágrimas de alegria, outros cantam...

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