Todos os dias a mulher passeia o marido cego.
Às nove horas, mais coisa menos coisa, chegam ao meio do parque, ele agarrado a ela, pelo antebraço, ela meticulosa e solícita como quem passeia um cão.
Passeiam debaixo do murmurar das folhas dos ulmeiros, para cá e para lá, durante trinta minutos, até a sincronia dos passos sincopados se tornar insuportável.
O que há de extraordinário neste par não é a pontualidade diária, nem o esgar entediado e rígido do homem cego, nem sequer o contraste da mulher trintona com a face escalavrada do deficiente.
O que há de extraordinário neste par é a mais absoluta e aguda tristeza, a repetição mecânica do percurso debaixo dos ulmeiros, sem um som, uma gargalhada, um múrmúrio, o esboço de um sorriso.
A mulher arrasta o homem como quem arrasta a cruz, e o homem, crucificado na sua cegueira, deixa-se arrastar como quem cumpre o calvário.
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