Soror Flâmula da Encarnação desapareceu do convento onde há décadas vivia aprisionada precisamente no dia 15 de Maio de 1836.
Antes do desaparecimento inexplicável da sua cela árida de carmelita, Soror Flâmula tinha sido acometida de uma prolongada doença que a fazia passar longos períodos a escrevinhar num livro, entre queixas de náuseas e desfalecimentos suspirantes. Baixa e rija como um potro, de cabelo castanho a emoldurar-lhe uma cara riscada a giz de tão agudamente geométrica, Soror Flâmula não era nada dada a delíquios de místicas ardentes, que por vezes acometiam as outras freiras. Por isso a suas maleitas foram alvo de grande perturbação entre as noviças, que lhe iam espreitando as formas arredondadas debaixo do burel impiedoso.
Soror Flâmula apresentava todos os sinais de uma prenhez gemelar, peitos inchados, ventre lascivamente empinado sob os panos alvos da virginal farda monacal, apetites insaciáveis e súbitas vertigens durante as vésperas. Chamado de urgência ao convento, o seu director espiritual exigira que a madre abadessa lhe explorasse o ventre com os dedos, num exame ginecológico que comprovara o milagre. Soror Flâmula, vermelha de vergonha ao ser submetida a tão aviltante prova, gritara em voz alta o que ninguém queria acreditar, estava intacta como quando tinha vindo ao mundo, intacta como a Virgem Maria quando concebeu. A abadessa tivera de concordar, Soror flâmula não tinha um hímen rompido, a acreditar nos seus dedos experientes, apesar da miraculosa gravidez, do edema das pernas, da vulva violácea a adivinhar partos difíceis.
Os fetos mexiam-se no ventre enquanto Soror Flãmula escrevia um livro noite fora, recados ao inevitável arcanjoque a emprenhara sem que houvesse da sua parte o mais erótico arroubo místico, ou o mais dissimulado orgasmo. Parecia-lhe de uma crueldade inumana, ver-se assim hediondamente prenha, com toda os desconfortos da gravidez e os horrores do parto à espreita, sem usufruir uma única das benesses paralelas de ter um corpo de mulher - um corpo outrora confiável.
E não esperava clemência. Se nem mesmo a Virgem Maria fora poupada à tortura de parir com dor, embora logo a seguir um milagre providencial lhe recompusesse um hímen trespassado – parece que Deus se preocupava mais com o hímen intacto de Maria do que com o sofrimento da mãe adolescente do seu filho amado - que poderia esperar Flâmula senão um parto agonizante ?
Sem comentários:
Enviar um comentário