Apanhámos o último autocarro em Cochabanba depois do jantar. Era uma viagem de duas horas até à aldeia mais próxima, meia dúzia de kilómetros e uma viagem alucinante em plena cordilheira dos andes, à beira de vertiginosas falésias, num escuro de breu. A camioneta gemia em cada curva , as vibrações dos bancos faziam tilintar os bolsos da farda de escuteiros, agarrávamo-nos ao assento como se estivéssemos numa jangada e embora não ultrapassássemos de certeza os 40 kilómetros por hora, tínhamos a ilusão de viajar a uma velocidade louca. O joão à minha frente, começou a vacilar, sinto-me mal, tou mesmo mal, via-o a contorcer-se eh pá deixa-te de cenas, aguenta um bocado, a empalidecer, num esgar de dor, não consigo, sinto-me mal, não sei o que tenho, tou mal pá, tou.... não aguento, e de repente a levantar-se num pulo, a correr para a porta da frente, a gritar ao condutor pára aqui, numa urgência de cão aflito, corri atrás dele por puro instinto, já o autocarro travava antes da próxima curva, o meu amigo começou a vomitar ainda dentro do autocarro, saí com ele para a estrada, meio sufocado pelos vómitos, ele a contorcer-se no chão, numa aflição de vísceras liquefeitas, eu a segurar-lhe o corpo que tremia, também eu tiritava, senti um choque térmico quando saí do autocarro, cá fora seguramente estavam cinco graus negativos e eu de t-shirt suada, rostos divertidos espreitavam das janelas, e, enquanto segurava a testa do joão, fui atingido por uma luminosidade estranha.
Olhei para cima e parei de respirar. Mesmo em cima dos meus ombros, a abóbada celeste explodia numa miríade de estrelas como nunca tinha visto, uma cidade deslumbrante abateu-se sobre mim, não havia lua, só um manto de estrelas desenrolado à volta dos picos dos Andes, duma beleza tão aguda que senti os olhos marejarem-se com uma emoção que nunca tinha sentido. Parei de tiritar com frio, ao meu lado o joão vomitava as tripas e eu ali siderado, não é possível, não existem tantas estrelas, com aquela luz a ofuscar-me, uma luz transparente, lenticular, fervilhante, esmagado de alegria, entre o vómito e o infinito.
quinta-feira, junho 26, 2008
Entre o céu e a terra
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