Mochila encostada à porta da carruagem, acotovelou-se entre uma freira sonolenta e um miúdo com corte de cabelo de jogador de futebol.
Espreitou pela janela enquanto o primeiro cigarro lhe amanhecia nos dedos, fascinada com a linha-férrea que se espraiava numa linha de água rumo a um infinito qualquer.
Uma sensação de maravilhamento invadiu-a como uma premonição – ao fundo, na paisagem, algo de aquoso e cálido tomava forma. Sob a luz rosácea vislumbrou as primeiras casas e linhas do cais, tudo misturado com cheiro a lodo, gaivotas a tangerinar por entre barcos.
Abriu então completamente a janela, apresar do friorento frémito da freira e deixou-se enovelar por uma súbita sensação de liberdade, a percepção súbita que se dirigia ao futuro – não um futuro qualquer, vislumbrado na luminescência das casas, mas um futuro escolhido, onde todos os impossíveis a esperavam. Tinha vinte anos, uma mochila, um caderno de notas cheio de poemas, travel cheques, uma máquina Kodak com rolos suplentes que demoravam quatro dias a revelar, um mapa, dois últimos cigarros e estava a chegar a Veneza pela primeira vez na vida, completamente sozinha, que é o mesmo que dizer completamente cheia de todas as lonjuras possíveis, feliz apenas por poder respirar a beleza de uma cidade sonhada.
quinta-feira, maio 29, 2008
Viagens
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