sábado, maio 03, 2008

Silêncios

"Era raríssimo eu falar no lugar que de ora em diante era meu. Não era proibido e, no entanto, uma regra não escrita impedia-mo. Na verdade, se uma limpadora de latrinas é faladora, há a tendência para pensar que está à vontade no seu trabalho, que está no seu lugar, e que o trabalho a satisfaz ao ponto de lhe inspirar o desejo de tagarelar. Pelo contrário, se ela se cala, é porque vive o seu trabalho como uma mortificação monacal. Apagada no seu mutismo, realiza a sua missão expiatória de remissão dos pecados da humanidade. Benamos fala da acabrunhante banalidade do mal, a limpadora de latrinas conhece a acabrunhante banalidade da dejecção, sempre a mesma por detrás de disparidades repugnantes. O seu silêncio exprime a sua consternação.
Ela é a carmelita das latrinas".

Amelie Nothombe (2004) Temor e tremor

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