Quando Maria Manuela se chega à janela da marquise, dezembro acaba de começar.
A esta hora , os varredores de rua arrumam o resto do dia em caixotes apressados.
A marquise é só alumínio verde, vidro laminado, paredes de humidade onde Manuela espreita a rua de kispo de penas em cima do pijama, um gorro da feira dos ciganos a imitar grandes marcas. Está frio. Maria Manuela acende o cigarro, durante uma centelha de segundos o bafo do isqueiro aquece-lhe a bochecha esquerda descaída do uso da idade, o calor conforta-a da lonjura, arrasta um pouco mais os chinelos até ao sol.
Um pôr-do-sol em carne viva enlaranja a marquise. Doem-lhe os joelhos, tem uma dor surda no períneo, do lado direito, uma dor pequena, uma mordidela contínua, de pé está melhor. Aperta o kispo contra o peito, espreita pra lá dos vidros, do alumínio, dos quadrados do quarto andar de bairro periférico, ao longe o douro mergulha no mar, o último barco regressa ao porto,carregado de peixe e de gaivotas. Devem ser mais gaivotas que peixe, gaivotas a rodopiar grasnidos de antecipação. A luz é tão doce, cor de pêssego a escorrer para o chão da casa como poças de água enluaradas, Mané acende o segundo cigarro, a casa mais gélida da noite a cair, gelosias desfeitas, alumínio a estalar, o sítio exacto da dor-em-picada-de-agulha.
A esta hora, os namorados desencontram-se ao lusco-fusco, vagamente imóveis frente a relógio imaginários. Mané espreita os chinelos quase com medo que os charcos de luz espalhados no chão as impregnem de humidade. As cores de agora são já da noite, uma linha laranja ao longo do mar seguida de vários tons de azul impossível a rasgar o avanço da definitiva escuridão. Sobre a beira da autoestrada a lua ergue-se, fêmea esvaziada de vísceras a parir a noite. Né está agora às escuras na marquise, quase gelada, não sente as mãos encrespadas no último cigarro, gorro-de-marca-a-fingir enfiado no cabelo fino, Kispo de penas sobre o pijama, chinelos de feltro húmidos.
Está na hora. Né volta as costas ao mar, aos farrapos de sonho que lhe limpam o olhar e entra na cozinha.
Daqui a pouco, o seu turno de puta-de-rua vai começar...
A esta hora, os namorados desencontram-se ao lusco-fusco, vagamente imóveis frente a relógio imaginários. Mané espreita os chinelos quase com medo que os charcos de luz espalhados no chão as impregnem de humidade. As cores de agora são já da noite, uma linha laranja ao longo do mar seguida de vários tons de azul impossível a rasgar o avanço da definitiva escuridão. Sobre a beira da autoestrada a lua ergue-se, fêmea esvaziada de vísceras a parir a noite. Né está agora às escuras na marquise, quase gelada, não sente as mãos encrespadas no último cigarro, gorro-de-marca-a-fingir enfiado no cabelo fino, Kispo de penas sobre o pijama, chinelos de feltro húmidos.
Está na hora. Né volta as costas ao mar, aos farrapos de sonho que lhe limpam o olhar e entra na cozinha.
Daqui a pouco, o seu turno de puta-de-rua vai começar...
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