A intervenção de Jonet foi infeliz. Muito. No entanto ela falou com sinceridade, sem qualquer malícia. Aquela sinceridade tão própria dos muito ricos para quem a pobreza é mais coisa estatística e contabilística do que realidade vivida. Jonet falou a partir dos seus próprios pressupostos existenciais, tão bem retratados nesta crónica de Lobo Antunes. O que explica que, para Jonet, ser pobre se reduza a não comer bife todos os dias da semana. Qu'ils mangent de la brioche.
A intervenção de Jonet foi mais do que infeliz. Foi pouco inteligente. Esqueceu-se que quem fornece de bens a instituição que lhe dá protagonismo mediático, entre outras coisas, não são os ricos. São os pobres. Quem lhe enche os armazéns de toneladas de comida não são as cadeias de hipermercados ou os mecenas da alta finança. São os velhos reformados, que compram o litro de azeite e o deixam no carrinho, a pensar que amanhã podem ser eles a precisar. São os funcionários públicos medianos, que largam a lata de salsichas porque isso lhes consola a lusa alma de tantas aflições quotidianas, com o pensamento intimo - há quem esteja pior que eu. São as jovens mães a fazer contas de fim do mês e se compadecem de haver outros meninos que nem os delas com falta de leite e escolhem o pacote de marca branca mais barato e enfiam-no no saco. São aqueles mesmo muito pobres que ganham o ordenado mínimo, mas que são boa gente, daquela gente que já não há e que deixam nos cofres de Jonet o pacote de bolacha maria envergonhado. São as mulheres a dias que mal ganham para o que comem , mas que arranjam uns trocos para a compadecida lata de atum.
E são esses que sabem que, se de hoje para amanhã forem bater à porta do banco alimentar contra a fome, não é por causa de comerem bifes todos os dias, nem por causa da aguinha para lavar os dentes e muito menos por causa dos concertos de rock.
E foi essa gente toda que a Jonet insultou.
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