"Quando cai um paradigma, como analisam os especialistas, tudo volta a zero, e todos necessitamos aprender novamente, precisamos ser novamente alfabetizados. (Basta o exemplo da passagem das máquinas para a informática: os pais precisam reaprender ao lado dos filhos). A geração pós-conciliar, da qual faço parte, lutou desde jovem ao descampado na esperança de uma primavera. E, como afirmou o grande observador da Igreja Católica Antônio Gramsci, as crises se produzem quando o velho mundo demora a desaparecer e o mundo novo demora a nascer. Neste claro-escuro, acrescentava ele, monstros podem aparecer. Voltar ao paradigma anterior para se proteger de ameaças e sombras é inviável e patético. Atualmente, com o agravamento da crise ambiental, monstros do passado recente se tornam menores e monstros ainda maiores nos rondam.
"Ruptura”, palavra non grata? Ela foi cunhada na área da teoria do conhecimento como "ruptura epistemológica”, significando que contextos novos não podem ser conhecidos por meio de categorias de conhecimento tradicionais, e somente uma ruptura epistemológica prepara uma nova compreensão com uma epistemologia nova. Nesse sentido, ruptura não é uma negação, mas uma colocação em perspectiva histórica. Por exemplo, uma liturgia barroca ou uma igreja barroca fazem parte do tesouro histórico da Igreja, e paramentos barrocos tecidos em fios dourados podem ser apreciados em nossos museus para compreendermos uma época de nossa história. Mas insistir numa missa barroca é ir vivo para o museu. Assim também certas categorias de linguagem, certas leis canônicas que fizeram história, etc. Mas como a palavra "ruptura” ganhou um sentido diabólico em alguns segmentos da Igreja, talvez seja mais sábio não utilizar a palavra. A palavra adequada é "renovação”, como enfatizou Bento XVI. Segundo ele, trata-se da "reforma na continuidade do mesmo sujeito Igreja”. Os que utilizam a hermenêutica da continuidade dão ênfase à continuidade mais do que à reforma. Mas a palavra chave para entender um Concílio que quer introduzir uma reforma é, de fato, "renovação”, pois esta é a história do cristianismo desde o evangelho: novidade, e, portanto, renovação. Importa mais o futuro do que o passado, e a memória só tem sentido enquanto reforça a esperança.
iii. A nova geração "não conciliar”. Tanto no clero como entre os católicos que estão inseridos em movimentos e organismos eclesiais, a cinquenta anos do começo do Concílio, temos uma geração naturalmente afastada da experiência do Concílio e do seu contexto. É uma geração que, em caso positivo, escuta ou estuda um acontecimento do passado. Que importância conseguem dar à recepção do Concílio, por exemplo, no Pacto da Catacumba ou em Medellín? Há uma dificuldade que agrava a consciência da relevância do Concílio e da sua recepção, já mencionada na introdução: a menor importância que se dá, hoje, na cultura, à consciência histórica e crítica. Quando, por exemplo, um grupo de jovens se organiza para reivindicar uma liturgia anterior ao Concílio, fazendo a afirmação equivocada de que se batem pela liturgia "que sempre foi e sempre será!”, estamos diante de um conflito por falta de interesse por informações de ordem histórica.
A formação, tanto inicial como permanente, e tanto do clero jovem e seminaristas como dos católicos engajados em todo tipo de movimentos será absolutamente importante, nesse caso. Podemos entender aqui a insistência de Bento XVI no conhecimento da doutrina, na catequese. Hoje não se pode estudar dogma, liturgia, direito, ética, etc., sem a sua necessária dimensão histórica e seus contextos culturais. Sem história e sem contexto, a tendência é se tornar absolutista. Absoluto é só Deus, e a verdade absoluta se mantém na reserva escatológica, quando veremos Deus e todas as coisas como são. A historicidade ajuda a manter a humildade do caminho e a evitar o absolutismo, próximo das ideologias totalitárias e violentas. No entanto, os métodos histórico-críticos se mostraram também limitados, sobretudo por sua capacidade desconstrutiva mas nem sempre reconstrutiva. Por isso pode ser precioso, para a retomada do Concílio, o que Bento XVI advoga para a interpretação bíblica: a hermenêutica da fé. Que, em nossa experiência, pode ser comparável à Leitura Orante ou Palavra-Vida, a que pretendo voltar no item seguinte. De qualquer forma, a imobilidade de quem não ousa renovação revela falta de fé. "
Um excelente texto de Frei Luiz Carlos Susin na Assembleia da CNBB 2012 que pode ser integralmente acedido aqui
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