Sem PC pr'oprio, eis-me a escribar no Magalhães do mais novo. Grande sócrates que só assim me permite postar uma página cuja releitura encheu o meu dia:
"Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. (...) Estremeço se dizem bem. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida. Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.
(...) Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. "
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa.
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