sexta-feira, abril 11, 2008

Metadona

O mais apaixonante de tudo é construir pontes e encontrar lugares de esperança onde não se encontra nada mais que o vazio. Ultimamente tenho tocado em muitos lugares sem esperança, como o mundo de S., uma jovem toxicodependente que vive na rua com os seus cães. Os cães – uma pequena matilha que a seguem para todo o lado estão lustrosos e bem escovados. S. aparece pálida, a camisola azul esburacada, magríssima, os dentes perdidos sob os piercings, quase sempre sem falar.
Tem uns olhos belíssimos que se passeiam por nós, numa agressão contida enquanto sorve a dose de metadona. Quando passa por mim, eriçada de gestos agudos, só vejo a adolescente perdida, que vive na rua com os seus cães a comer restos. Juro, apetece-me abraçá-la, por um momento penso no que aconteceria àquela criança grande se alguém simplesmente a abraçasse. O gesto agressivo e noção de um comportamento pouco terapêutico, fazem-me recuar. Por instantes – S esboça um sorriso, como se intuísse o meu pensamento. Até àmanhã, diz-me.
Hoje, Alguém a olhou.
No mais intimo da nossa vulnerabilidade humana podemos ser um segredo do absoluto, um mumúrio interior ou a sombra desse devir que habita já em nós.

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