Uma tarde, no bordel de Dª Libânia, estoirou a bomba. Sua excelência, o professor salazar ia mandar fechar os bordéis , tudo em nome da moral e os bons costumes, a bem da nação.
As raparigas choravam de aflição - que iria ser delas, entregues a chulos desalmados, sem o desvelo maternal da Dª Libânia e a protecção do bordel? Dª Libânia achava que aquilo não podia ficar assim e nessa noite pediu ajuda e conselho aos clientes mais ilustres - o doutor, o advogado, o professor o engenheiro, o dono da mercado e até o senhor prior fizeram-lhe chegar o seus doutos conselhos. Nem pensar em despedir as meninas, coitadinhas.
Que seria delas. Nem pensar em fechar portas, que despautério. Afinal o bordel tinha uma importante função social, protegendo os sacrossantos lares e os matrimónios católicos da luxúria desmedida e dos pecados da carne. Não, decidadamente, havia que achar uma solução.
A ideia veio do senhor governador que ele, está visto, não poderia, mas a Dª Libânia devia escrever uma carta ao senhor professor salazar. Homem piedoso e de coração mole, havia de condoer-se da situação das suas meninas, da paz da vilória, da pureza dos casamentos, dos homens da terra. Afinal, as putas eram um bem essencial ao equilíbrio da nação.
E, nas noites seguintes, Dª Libânia escreveu uma fervorosa missiva. Parágrafo ditado por um, alvitre sugerido por outro, correcção gramatical garantida por um terceiro, a carta concluída e lida em voz alta ao serão, aos clientes habituais, suscitou aplausos, pateadas de apoio e uma ou outra lágrima furtiva. Estava perfeita.
Um pequeno pormenor, no entanto, gerou a maior confusão - como devia começar a carta?
Senhor Presidente do Conselho, diziam uns. Senhor Professor Salazar, exigiam outros. Que nada, seus ignorantes, Doutor António de Oliveira Salazar, assim é que era. Nada disso, Excelentíssimo Senhor chegava. Embriagados pelo whisky rasco e pelo cheiro a perfume barato das meninas, a exaltação foi subindo de tom, a pontos da Dª Libânia temer pelo estado do seu estabelecimento, não fosse encerrar portas por uma cena de pancadaria em vez do decreto ministerial.
Levantou-se do cadeirão, pesada como uma vaca no cio e bateu as palmas com ar solene, até o silêncio imperar. Que não se preocupassem, que ela, mulher da vida, sabia perfeitamente como dirigir uma carta ao alto representante da nação.
E com a caneta de tinta permanente endereçou assim a carta, com a autoridade suprema da linguagem do prostíbulo:
"Meu filho: "
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