quinta-feira, abril 19, 2012

Memórias de um portugal salazarento

Dona Libânia geria o bordel com desvelos de maternal malícia. Conhecia as dezoito raparigas como a palma das sua mãos, sabia-lhes as histórias, os queixumes, os desmanchos, os noivados desfeitos e os abandonos. Chamava-as a todas pelo nome mas,   a mais nova, a rosinha, enrolava a língua de doçuras quando a exibia aos clientes. Ainda virgem, a menina tinha-lhe sido confiada pela própria mãe a troco de uns vinténs e logo a tinha vendido para estrear, ao senhor doutor. Homem possante e dado às artes médicas da fornicação, não a deixou muito massacrada da primeira vez. Bem instruída pela dona Libãnia,  a pequena là aguentou o serviço, na pequenez dos seus quinze anos.
À tarde, antes dos senhores endinheirados chegarem, o bordel enchia-se de pequenos grupos de estudantes de boas famílias mas sem tostão. Magros, de fato puído e gravatinhas pretas, sentavam-se ao lado das meninas desocupadas momentaneamente,  a beber cachaça, sorvendo cigarros à volta das mesas aquecidas por braseiras de carvão. Elas sorriam e davam-lhes as mãos húmidas debaixo da mantilha, eles sofregavam por aquilo que não tinham dinheiro para comprar. 
Perto da meia noite, os clientes servidos nos quartos, a Dª Libânia condescendia aos olhares famintos dos pobretanas.  Levantava-se do cadeirão, pesada como uma vaca no cio, arrastava-se até à telefonia, sintonizava a Emissora Nacional e batia as palmas com ar solene. Era o sinal ansiado - as meninas que tinham ficado sem cliente nessa noite podiam dançar com os estudantes de ar aparvalhado, ao som da telefonia. Eles aproximavam-se,  cavalheirescos, como se estivessem no baile da paróquia, elas condescendiam em enlaces mais ou menos atrevidos, refegos de seios expostos ao encosto, nádegas bamboleantes, e um cheiro a fêmea  e perfume barato que os punha sem fôlego. Dançavam assim agarrados, em longos minutos da maior folia, mais concupiscentes que  o restolhar animal do andar de cima. E, à meia-noite em ponto, o hino nacional pontuava o fim da emissão radiofónica. Mas como parar a dança, refegos de seios expostos ao encosto, nádegas bamboleantes, um cheiro a fêmea  e perfume barato , quem conseguia???
E assim, todas as noites, no bordel de Dona Libânia, dançava-se o hino nacional até à última estrofe, num roça-roça que faria corar sua excelência o presidente do conselho   caso soubesse de tal blasfémia.

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