A irmã cecília tinha olhos azuis e o rosto avermelhado das ruivas delicadas.
Em boa verdade não tenho a certeza se era ruiva - o tchador religioso tapava-lhe completamente a côr dos cabelos.
As aulas de piano eram como ela, muito lentas, absorventes, avermelhadas de alguma impaciência, solfejos e peças a quatro mãos, o ribombar do piano na sala de música que ficava no último andar (donde se via o rio e algumas aves pálidas), o marfim da carne das teclas, a irmã cecília a sorrir sozinha de olhos fechados enquanto acompanhava a música sem olhar a pauta, o tchador a oscilar sem que uma única madeixa espreitasse a luz (eu estava convencida de que era careca e que usava o véu por vergonha ),
Um dia explicou-me que não se chamava mesmo cecília mas um outro nome qualquer - quando se tornou freira escolheu o nome cecília por ser a santa padroeira dos músicos, que morreu a cantar.
Parecia-me muito triste ter um nome de alguém que morreu a cantar, mas desde então fiquei convencida que santa cecília tem olhos azuis, o rosto avermelhado das professoras de piano, uma doçura muito leve na forma de solfejar pautas e uma luminosa careca celestial.
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