Eu não tenho dúvidas – não gosto de mulheres mortas.
Em cada minuto, uma mulher morre no mundo por complicações relacionadas com a gravidez, parto ou aborto sem assistência médica.
São mais de meio milhão de mortes por ano.
São mulheres saudáveis, que se encontram no auge de suas vidas, com potenciais de vida que são subitamente perdidos com a morte prematura que tem uma causa, quase sempre, evitável. A morte materna é um dos mais sensíveis indicadores das condições de vida de uma população.
99% dessas mortes acontecem nos países em desenvolvimento onde as mulheres não têm acesso a cuidados médicos durante o parto, aborto seguro e contracepção eficaz.
Calcula-se que anualmente aproximadamente outros 18 milhões de mulheres ficam com lesões irreversíveis ou com doenças crónicas permanentes devido a complicações relacionada com gravidez, partos e abortos. Por falta de acesso a informações e contraceptivos e pela realização de abortos inseguros, o risco é mais elevado para as jovens entre os 15 e os 19 anos. A taxa de mortalidade nessa faixa etária é duas vezes maior que a das mulheres entre 20 e 24 anos. Por outras palavras, para muitas meninas e adolescentes, a gravidez é quase uma sentença de morte.
Tanto a Conferência do Cairo como a Conferência de Pequim , que afirmaram direitos fundamentais das mulheres na autodeterminação, igualdade e saúde sexual e reprodutiva - direito à educação sexual, à contracepção eficaz, ao aborto seguro, à autodeterminação sexual - esbarraram com uma santa aliança – o Vaticano, os estados islâmicos e alguns países católicos da América latina recusarem aceitar o documento em nome de princípios religiosos.
Vaticano, Malta, Irão, Egipto, Sudão, Kuwait, Iraque, Indonésia, Omã, Bahrein, Marrocos, Tunísia,Jordânia, Paquistão, Afeganistão, Bangladesh, Síria, Líbano, Malásia, Líbia,Argélia, Emirados Árabes Unidos, Catar, Iêmen, Equador, Peru, Argentina, República Dominicana, Costa Rica, Venezuela, Nicarágua, Benin e Honduras opuseram-se a qualquer menção de expressões como “orientação sexual” e “direitos reprodutivos”.
Formou-se uma identidade discursiva entre Estados muçulmanos, o Vaticano e os Estados católicos da América Latina. Embora islamismo e catolicismo se tenham afirmado, em muitos momentos históricos, como discursos excludentes, fundados em princípios incomunicáveis, constituíram, no Cairo e em Pequim, um consenso marcado pela unidade. Esta identidade entre muçulmanos e católicos, descoberta no Cairo, fundou-se especificamente na questão da condição das mulheres.
Inicialmente declarado pelo Papa João Pulo II, o discurso acerca dos papéis sociais femininos determinados pelos textos sagrados, foi sendo referendado e repetido por cada um dos líderes islâmicos presentes na Conferência (Royals, 1994, p.2). O discurso que católicos e muçulmanos defenderam no Cairo e em Pequim trouxeram de volta à arena política os fundamentos do discurso medieval acerca da diferenciação de papéis entre homens e mulheres.
O Vaticano e seus aliados muçulmanos opuseram-se especialmente contra a agenda de saúde e direitos reprodutivos. Tal agenda, segundo o discurso destes Estados, apresentava-se em desacordo com os modelos culturais e religiosos que definiam suas políticas nacionais para as mulheres.
Os Estados que defenderam os valores católicos e muçulmanos perceberam que partilhavam de uma visão comum sobre ao papel social da mulher, descrevendo a a mulher a partir de sua função principal, ou seja, a reprodução. A mulher foi entendida como um ser naturalmente preparado para a procriação. Sua participação social devia, portanto, estar subordinada ao seu papel central de reprodutora.
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