Às nove horas a dona julieta telefona ao neto a fazer recomendações por causa do passarinho.
È pequeno, terá que o pôr a voar, se não, morre. A comida tem que se dada na boca, não à dona julieta, mas ao pássaro, está tão fraco como o coração da dona julieta que bate a 35 pulsações por minuto, numa bradicardia flácida e lhe dá dores insportáveis durante a noite. Inoperável, dizem os médicos em coro, num chilerar definitivo, sem qualquer sinal de arritmia vacilante nos diagnósticos.
Enquanto a morte vai e volta, a dona julieta tem um pássaro que é a sua alegria, mal acorda depois das escassas horas de sono roubadas ao bater descompassado do coração, ouve o pássaro e percebe que não morreu. Uma grande alegria invade então a dona julieta. O pássaro sobreviveu à noite, ela também, com o seu coração de pássaro. Pelo telemóvel, deitada na cama do hospital dá instruções ao neto, - um moçoilo vistoso com belas tatuagens que a visita com ar sossegado. Percebe-se, pelo tom de voz, que o pássaro é uma espécie de talismã, o ícone simbólico da fragilidade da vida que é preciso preservar a todo o custo.
_ Põe-o a voar, se não ele morre.
Na sala agora vazia da dona julieta, nem porcelanas faustosas, nem tetos coruscantes de cristal, nem vasos de porcelana chinesa pintada à mão, a mornidão da primavera a magoar os espelhos, os olhos vítreos e embalsamados do pássaro desaguam no jardim, a dona julieta ofegante ao telefone, 35 pulsações por minuto e sem qualquer esperança de correr, quanto mais voar,
_ Põe-o a voar, se não ele morre.
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