São 18h e, de cabeça vazia releio um livro do jorge amado.
é o meu livro do dia, o dia é o meu livro.
a esplanada é de madeira, o que rumoreja lá em baixo é o marulhar do trânsito.
depois do almoço uma bruma cinza levantou-se do mar a adivinhar tempestades.
os veleiros aguentaram ainda durante algum tempo, mas, a esta hora, a neblina oleosa tomou conta da baía - nem uma única vela sobrou na linha do horizonte, o mar está verde, de um verde limoso absurdamente fundo.
a bruma levantou-se do mar depois de almoço e começa a gora corroer completamente a linha do cais. está vento, um vento que não é completamente gelado mas eriça os poros, um vento que faz encolher acriada preta que arrasta docemente o menino branco pela mão.
quando se curva exibe as coxas - umas pernas imensas, sólidas e deslumbrantes - o miúdo sorri ao deixar-se abotoar, como se fosse ela a criança a acabar um qualquer jogo especialmente difícil que exige uma espera condescendente - um botão, dois, três, quatro.
ninguém pára, a bruma é tão antiga a esta hora, a mulher preta curvada para a criança, as coxas imponentes sob a saia .
a neblina é agora definitiva como uma moite antecipada, a mulher tem o cabelo completamente liso, a carapinha esticada até ao limite das costas e o menino é um ruivo de paciente sorriso, ou o sorriso é ruivo, não tenho a certeza, a esta hora o bafo do mar afundou a tarde, sem veleiros, sem tílias, sem marujos, sobra o dorso naufragado da negra a colocar botões em casinhas de lã.
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