domingo, maio 20, 2007


Lassie, a cadela da avó da Francisca morreu. Não houve nenhum acidente, nenhuma doença grave. A cadela estava velhota e só o amor e o conforto da família lhe permitia uma vida longa e funcional.
Mas a Francisca e a Lassie tinham um amor muito forte. Quando a Francisca nasceu a Lassie já era uma bela cachorra e desde que se lembra do mundo, e ao longo de dez anos, Francisca contou com as brincadeiras, os mimos, a força e a cumplicidade da Lassie. Nas últimas férias da Páscoa, quando Francisca esteve doente, com febre, a lassie passou o tempo todo deitada ao lado dela, com um ar preocupado e protector.
Por isso a Francisca durante esta semana chorou várias vezes na escola, em silêncio e meio envergonhada de demonstrar a sua dor. Só um grupinho pequenino (as amigas da turma, expressão pequena para classificar a deliciosa teia de relações entre cinco meninas de dez anos) sabia do segredo. Sim, porque a dor do luto é um segredo.
Num intervalo lá estavam todas – a Francisca a chorar, inconsolável, a esconder as lágrimas para que nenhum miúdo parvo da turma se apercebesse e ainda gozasse, a contar que sempre que via um cão na rua sentia uma tristeza tão grande que não conseguia conter as lágrimas. As outras meninas confortavam-na e partilhavam as suas perdas – um cãozito, a tartaruga de estimação - abraçavam-na davam-lhe beijinhos. Até que a maria luís, do alto dos seus dez anos, encontrou estas palavras mágicas – Mas ó Francisca, a Lassie vai ficar sempre contigo no teu coração. Enquanto lá estiver, não morreu.

Abismada com a profundidade da frase, reflecti que não ensinamos as nossas crianças a viver as dores, o luto e a perda. Não lhes falamos sequer da inevitabilidade da morte, evitamos que vão a funerais ou que contactem com pessoas em fase terminal.

E, num mundo esvaziado de crenças religiosas e do conceito de continuidade, numa sociedade onde a morte é tabu e em que começa a ser socialmente desajustado a expressão do luto emocional, pergunto-me como podemos ensinar ás nossas crianças a lidar com a morte e a inevitabilidade das perdas.
Ou como podemos nós mesmos aprender a arte de morrer?

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