sexta-feira, setembro 09, 2011

Anunciação

No chão de madeira o sol da tarde, filtrado pelas folhas dos plátanos,  acende-se a apaga-se, qual néon.O respirar dos anjos deve ser assim, ora está, ora deixa de estar, lampeja a mulher.
Às cinco horas, a anunciada chuva-de-fins-de-agosto ainda não tinha aparecido. Durante toda a tarde os cães do vento ganiram de encontro aos carvalhos, enruguescidos de esforço. Em vão rodopiavam aflitivos braços, nem assim os cães do vento amainaram, a mordilhar-lhes os altos ramos.
A mulher estremeceu de solitude antes de continuar a tarefa - desembrulhar pratos de loiça na banca da cozinha marmoreada de frio. As repetitivas mãos abriam porcelanas empacotadas em jornais, até ficarem empilhadas numa pirâmide esbranquiçada, pequenos pratos, chávenas pintalgadas de flores azuis, tigelas antigas de marmelada, sobrepostos aos montes, ao sabor do vento suão, lá fora.
A mulher entardece agora, cada vez mais sózinha na casa, com uma espécie de vertigem interior que nunca a abandona, nem quando dorme, como atestam  as sombras sob o queixo.O último prato de porcelana estremece nas pálpebras da quase- noite.
O respirar dos anjos deve ser assim, ora está, ora deixa de estar, murmura a mulher num súbito lampejo.

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