"À desaforada esperança, comoé natural, sucedeu-se uma depressão excessiva. A certeza de que alguma prateleira nalgum hexágono continha livros preciosos e de que esses livros preciosos eram inacessíveis, pareceu quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que cessassem as buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até construírem, por meio de um improvável dom do acaso, esses livros canónicos. As autoridades viram-se obrigadas a promulgar ordens severas. A seita desapareceu, mas na minha infância vi homens velhos que longamente se ocultavam nas latrinas, com uns discos de metal num covilhete proibido, e fracamente imitavam a divina desordem. Outros, pelo contrário, acreditaram que a prioridade era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com tédio um volume e condenavam estantes inteiras: ao seu furor higiénico e ascético deve-se a insensata perda de milhões de livros. "
A Biblioteca, de Borges
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