quarta-feira, outubro 06, 2004
Duas das minhas irmãs, pequeninas e lustrosas morreram nem sei bem porquê. Ainda tropeçámos algum tempo nos seus corpos mornos, a minha mãe lambeu-as longamente na esperança de lhes devolver o morno bafo da vida, para logo se desinteressar por aquelas coisas inertes. Depois um gelo estranho empurrou-nos os corpos para outro lado e mãos humanas levaram-nas em silêncio para o outro lado do quintal... Dizem que é a selecção natural. Só as crias mais fortes sobrevivem á competição da mama , do aconchego ou dos animais da noite que de vez em quando rondam o ninho. A minha mãe emagreceu nestes dias. O seu olhar está ainda mais doirado e quente, enquanto se oferece pachorrenta a sete bocas ávidas. Tenho fome. Hoje vai haver mais leite.Ainda bem.
Nasci . Sou completamente preto, da mesma cor que a minha robusta mãe, uma cadela labrador de meia idade e olhos doces. Nasci num pequeno ninho que ela arranjou e nas primeiras noites debati-me com os meus oito irmãos para encontrar a melhor mama. Devo dizer, que na madrugada em que nasci uma maravilhosa lua cheia enchia o mundo de uma luz aquosa e plácida... Eu, claro, insensível a estes pormenores galácticos, limitei-me a ganir docemente protestando contra o frio húmido da madrugada, enquanto a minha mãe lambia as as entranhas no lento processo de parir ninhadas.
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