sábado, julho 17, 2010

Recentemente ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) jjá teve uma destas perturbações durante a vida.
(...) Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque nos últimos quinze anos o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma  sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. (...)
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais  difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil  perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias  entre o trabalho, a escola e casa, seja difícil ter tempo para os filhos.
(...) Interessa-me a saúde mental a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. (...)  
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é  necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.
Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com  responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números  e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.

E hesito prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago  vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar;  e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa  diante estes rostos que me visitam diariamente.



Pedro Afonso

Médico Psiquiatra
In jornal Público  21.06.2010

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